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Após 25 anos, Alemanha segue dividida economicamente

Apesar dos avanços, nível de atividade do leste continua longe do observado no oeste; convergência tem sido modesta

Por Melina Costa
Atualização:

Portão de Brandemburgo, em Berlim: pujança do oeste ainda não se reflete no leste Foto: Reuters

BERLIM - No dia 9 de novembro, a Alemanha vai comemorar 25 anos desde a queda do Muro de Berlim, episódio que deu início à reunificação do país depois de quatro décadas dividido entre o capitalismo e o socialismo. Na época, o então chanceler Helmut Kohl declarou, em um discurso célebre, que os recém-criados Estados do leste logo iriam "desabrochar" e se transformar em "paisagens onde vale a pena viver e trabalhar". O plano era que o lado oriental alcançasse um nível de desenvolvimento semelhante ao ocidental em menos de uma década - mas não foi bem assim que a história se desenrolou. "Nos primeiros anos da reunificação, as promessas foram incisivas demais. Agora vemos que se trata de um longo processo", diz Jochen Staadt, pesquisador da história da antiga Alemanha Oriental na Universidade Livre de Berlim. Houve, sem dúvida, avanços: a expectativa de vida, a qualidade da infraestrutura e até da pesquisa científica são, hoje, semelhantes nos dois lados do país. O problema é que o nível de atividade econômica no leste continua longe daquele observado no oeste. Segundo levantamento do governo, o Produto Interno Bruto (PIB) gerado pela área que pertencia à Alemanha Oriental corresponde a apenas 67% da produção do lado ocidental. No ano passado, o PIB per capita registrado no leste foi de 23.600, enquanto no oeste o valor foi de 35.400. Além disso, o desemprego é um terço mais alto na antiga Alemanha Oriental. Convergência modesta. O mais preocupante é o ritmo com que os cinco Estados do leste vêm se aproximando do resto do país. Durante a década de 90, seu PIB per capita praticamente dobrou na comparação com o oeste. Foi nesse período que os Estados socialistas se transformaram em economias de mercado por meio de privatizações, da criação de novas empresas e da adoção do governo e do sistema legal do oeste. Desde a década passada, porém, a convergência tem sido modesta. Segundo dados do governo, nos últimos 13 anos, o PIB per capita do leste passou de 62% para 67% da produção ocidental. Como se não bastasse, esses dados podem ser otimistas demais. "A população do leste decresce mais rapidamente que no oeste. Se levarmos isso em consideração, percebemos que a convergência dos últimos anos se deu quase que exclusivamente pelo declínio demográfico, e não por causa do crescimento (absoluto) da economia", diz Joachim Ragnitz, diretor do centro de estudos econômicos Ifo Institute, na cidade de Dresden. Está exatamente aí parte da explicação para os desafios enfrentados no leste. Com o colapso do sistema socialista, cerca de 2 milhões de pessoas perderam o emprego. Hordas de jovens em idade produtiva deixaram suas cidades em busca de oportunidades no oeste. Menos gente trabalhando significa menor poder de consumo e, portanto, atividade econômica mais fraca. Algumas cidades - como Leipzig, Dresden, Jena e Erfurt - experimentaram um nível de desenvolvimento comparável às grandes cidades do lado ocidental. Depois de pesados investimentos em infraestrutura, Leipzig conseguiu atrair, desde a década passada, projetos como um centro de distribuição da varejista Amazon, um hub para as operações aéreas da empresa de logística DHL e a fábrica de automóveis mais moderna da Europa, pertencente à montadora BMW. "Outras 20 cidades na Europa competiram por essa planta, mas Leipzig ofereceu a infraestrutura perfeita, com conexões para rodovias, ferrovias e um aeroporto. Além disso, a cidade tem mão de obra qualificada e a administração municipal foi ágil e proativa", diz Jochen Müller, porta-voz da BMW. Trata-se, porém, de uma exceção. Em geral, a estrutura econômica no leste é formada por empresas de pequeno porte, com pouco acesso a inovação e economia de escala. Soma-se a isso a escassez de grandes polos de crescimento na região, cidades que poderiam influenciar o desenvolvimento dos vizinhos. Tanto a produtividade como os salários são 20% mais baixos na comparação com o oeste, segundo o Ifo Institute. Investimentos. O resultado é especialmente frustrante diante dos esforços do governo. Na década de 90, a Alemanha estabeleceu um esquema de repasses do governo federal e Estados do lado ocidental, chamado Pacto de Solidariedade, para ajudar na inclusão do leste. Em sua segunda fase, que começou em 2005 e durará até 2019, 156 bilhões serão transferidos. Além de investimentos em infraestrutura, o dinheiro é usado para equilibrar o orçamento das prefeituras, pagar benefícios sociais e, em menor parte, sustentar políticas de desenvolvimento. Diante da dependência de muitas prefeituras, os parlamentares alemães já discutem um novo modelo de ajuda financeira a ser introduzido depois que o atual Pacto de Solidariedade expirar. Mas nem todos concordam com mais uma década de desembolsos que parecem nunca ser suficientes para a promover a convergência do leste. Afinal, faz sentido esperar que o lado oriental torne-se tão rico e dinâmico quanto o ocidental? "Alguns Estados do leste são mais pobres que Estados do oeste, mas esse já era o caso antes da 2.ª Guerra Mundial. Os Estados de Brandemburgo e Mecklemburgo-Pomerânia, por exemplo, não são regiões industriais tradicionais", diz Jochen Staadt. "Cada vez mais (com a política de repasses dos últimos anos), o mapa econômico na Alemanha está voltando a ser o que era antes da guerra, com uma divisão mais clara entre o norte e o sul, e não entre o leste e o oeste." Os desafios do crescimento, portanto, não são mais exclusividade do lado oriental. O vale do Rio Ruhr, no extremo oeste, que costumava concentrar indústrias de aço e a exploração de carvão, tornou-se pouco competitivo com o avanço da globalização nos anos 90 e hoje apresenta uma taxa de desemprego quase três vezes maior que a média nacional. Ali também estão as cidades mais endividadas da Alemanha. Os prefeitos dessa região são, hoje, os principais oponentes da política de transferências oeste-leste. Correndo o risco de serem taxados de pouco solidários, eles chamam a atenção para o fato de que a Alemanha ganhou novos problemas depois da queda do Muro de Berlim. "Nos primeiros anos da reunificação, as promessas foram incisivas demais. Agora vemos que se trata de um longo processo", diz Jochen Staadt, pesquisador da história da antiga Alemanha Oriental na Universidade Livre de Berlim. Houve, sem dúvida, avanços: a expectativa de vida, a qualidade da infraestrutura e até da pesquisa científica são, hoje, semelhantes nos dois lados do país. O problema é que o nível de atividade econômica no leste continua longe daquele observado no oeste. Segundo levantamento do governo, o Produto Interno Bruto (PIB) gerado pela área que pertencia à Alemanha Oriental corresponde a apenas 67% da produção do lado ocidental. No ano passado, o PIB per capita registrado no leste foi de 23.600, enquanto no oeste o valor foi de 35.400. Além disso, o desemprego é um terço mais alto na antiga Alemanha Oriental. Convergência modesta. O mais preocupante é o ritmo com que os cinco Estados do leste vêm se aproximando do resto do país. Durante a década de 90, seu PIB per capita praticamente dobrou na comparação com o oeste. Foi nesse período que os Estados socialistas se transformaram em economias de mercado por meio de privatizações, da criação de novas empresas e da adoção do governo e do sistema legal do oeste. Desde a década passada, porém, a convergência tem sido modesta. Segundo dados do governo, nos últimos 13 anos, o PIB per capita do leste passou de 62% para 67% da produção ocidental. Como se não bastasse, esses dados podem ser otimistas demais. "A população do leste decresce mais rapidamente que no oeste. Se levarmos isso em consideração, percebemos que a convergência dos últimos anos se deu quase que exclusivamente pelo declínio demográfico, e não por causa do crescimento (absoluto) da economia", diz Joachim Ragnitz, diretor do centro de estudos econômicos Ifo Institute, na cidade de Dresden. Está exatamente aí parte da explicação para os desafios enfrentados no leste. Com o colapso do sistema socialista, cerca de 2 milhões de pessoas perderam o emprego. Hordas de jovens em idade produtiva deixaram suas cidades em busca de oportunidades no oeste. Menos gente trabalhando significa menor poder de consumo e, portanto, atividade econômica mais fraca. Algumas cidades - como Leipzig, Dresden, Jena e Erfurt - experimentaram um nível de desenvolvimento comparável às grandes cidades do lado ocidental. Depois de pesados investimentos em infraestrutura, Leipzig conseguiu atrair, desde a década passada, projetos como um centro de distribuição da varejista Amazon, um hub para as operações aéreas da empresa de logística DHL e a fábrica de automóveis mais moderna da Europa, pertencente à montadora BMW. "Outras 20 cidades na Europa competiram por essa planta, mas Leipzig ofereceu a infraestrutura perfeita, com conexões para rodovias, ferrovias e um aeroporto. Além disso, a cidade tem mão de obra qualificada e a administração municipal foi ágil e proativa", diz Jochen Müller, porta-voz da BMW. Trata-se, porém, de uma exceção. Em geral, a estrutura econômica no leste é formada por empresas de pequeno porte, com pouco acesso a inovação e economia de escala. Soma-se a isso a escassez de grandes polos de crescimento na região, cidades que poderiam influenciar o desenvolvimento dos vizinhos. Tanto a produtividade como os salários são 20% mais baixos na comparação com o oeste, segundo o Ifo Institute. Investimentos. O resultado é especialmente frustrante diante dos esforços do governo. Na década de 90, a Alemanha estabeleceu um esquema de repasses do governo federal e Estados do lado ocidental, chamado Pacto de Solidariedade, para ajudar na inclusão do leste. Em sua segunda fase, que começou em 2005 e durará até 2019, 156 bilhões serão transferidos. Além de investimentos em infraestrutura, o dinheiro é usado para equilibrar o orçamento das prefeituras, pagar benefícios sociais e, em menor parte, sustentar políticas de desenvolvimento. Diante da dependência de muitas prefeituras, os parlamentares alemães já discutem um novo modelo de ajuda financeira a ser introduzido depois que o atual Pacto de Solidariedade expirar. Mas nem todos concordam com mais uma década de desembolsos que parecem nunca ser suficientes para a promover a convergência do leste. Afinal, faz sentido esperar que o lado oriental torne-se tão rico e dinâmico quanto o ocidental? "Alguns Estados do leste são mais pobres que Estados do oeste, mas esse já era o caso antes da 2.ª Guerra Mundial. Os Estados de Brandemburgo e Mecklemburgo-Pomerânia, por exemplo, não são regiões industriais tradicionais", diz Jochen Staadt. "Cada vez mais (com a política de repasses dos últimos anos), o mapa econômico na Alemanha está voltando a ser o que era antes da guerra, com uma divisão mais clara entre o norte e o sul, e não entre o leste e o oeste." Os desafios do crescimento, portanto, não são mais exclusividade do lado oriental. O vale do Rio Ruhr, no extremo oeste, que costumava concentrar indústrias de aço e a exploração de carvão, tornou-se pouco competitivo com o avanço da globalização nos anos 90 e hoje apresenta uma taxa de desemprego quase três vezes maior que a média nacional. Ali também estão as cidades mais endividadas da Alemanha. Os prefeitos dessa região são, hoje, os principais oponentes da política de transferências oeste-leste. Correndo o risco de serem taxados de pouco solidários, eles chamam a atenção para o fato de que a Alemanha ganhou novos problemas depois da queda do Muro de Berlim.

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