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Asfixia em câmara lenta

O sistema financeiro não comporta as taxas de juros atuais, excessivamente baixas, ou até negativas

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Por Redação
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Toda vez que os analistas dizem que a rentabilidade dos títulos de crédito não tem como recuar mais, os mercados se comprazem em desmenti-los. Depois que os britânicos resolveram dar adeus à União Europeia, as rentabilidades voltaram a cair: a remuneração oferecida pelos títulos de dez anos do Tesouro americano nunca foi tão baixa, e a rentabilidade dos papéis alemães e japoneses tornou-se ainda mais negativa do que já era. A perspectiva de que a política monetária continuará frouxa também ajudou Wall Street a acumular novas altas.

As taxas de juros são o óleo que lubrifica o motor do sistema financeiro, ajudando o capital a fluir de uma área para outra. Se os juros permaneceram positivos nos últimos três séculos, mesmo com duas guerras mundiais e a Grande Depressão dos anos 1930, há motivo para isso. O sistema não tem estrutura para comportar taxas extremamente baixas, que dirá negativas.

 Foto: Ralph Orlowski|Reuters

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Tradicionalmente, a atividade bancária consiste em captar recursos junto a depositantes (os passivos dos bancos) e então emprestá-los, a taxas mais elevadas e por períodos mais prolongados, a tomadores (seus ativos). Assim, um importante determinante dos lucros é o desenho da “curva de rentabilidade” – o gráfico das taxas de juros de acordo com os diferentes prazos de vencimento. Quanto menor a diferença entre os juros de curto e longo prazos, mais dificuldade os bancos têm para lucrar com suas operações. Os problemas se agravam ainda mais quando a rentabilidade dos títulos se aproxima de zero. As instituições financeiras não costumam ser bem-sucedidas quando se veem obrigadas a cobrar dos depositantes pelo “privilégio” de manter seus recursos numa conta bancária. Mesmo com o retorno sobre seus ativos em declínio, os bancos penam para reduzir os custos de seus passivos.

Portanto, quando um Banco Central impõe taxas de juros negativas sobre os depósitos compulsórios, como fizeram as autoridades monetárias europeias e japonesas, os bancos enfrentam enormes dificuldades para repassar esse custo aos depositantes. Os juros negativos acabam funcionando como um imposto sobre o lucro dos bancos.

Segundo Jason Napier, analista do UBS, há ainda outro fator em jogo. Muitos bancos comerciais possuem carteiras de títulos públicos, em parte porque as autoridades reguladoras exigem que eles mantenham um estoque de ativos líquidos à mão. Até pouco tempo atrás, os juros pagos por esses papéis constituíam conveniente fonte de receitas. No entanto, à medida que os títulos mais antigos, que pagam juros mais altos, vencem, eles têm de ser substituídos por papéis que oferecem rentabilidade muito menor.

Napier calcula que, isoladamente, esse fator reduzirá os lucros dos bancos europeus em 20% por vários anos. Não vai ser fácil aguentar o tranco. Ou as instituições cortam seus custos em 10%, ou terão de cobrar de seus tomadores 0,3% a mais por ano. Acontece que essa segunda alternativa é economicamente contraproducente: as autoridades monetárias estão tentando reduzir, e não aumentar, o custo do crédito corporativo.

A ironia é que as políticas de juros baixos foram adotadas com o intuito de salvar o setor financeiro

Os bancos não são as únicas instituições afetadas. As seguradoras costumavam seguir o modelo de Warren Buffett: cobravam os prêmios antecipadamente, investiam com prudência os recursos amealhados e usavam os retornos desse investimento para criar um colchão que lhes permitisse arcar com as apólices que viessem a ser acionadas. Atualmente, graças às novas regulamentações, a exposição das seguradoras a ativos arriscados, como ações, é extremamente baixa. Para equilibrar ativos e passivos, elas compram títulos de crédito. Mas, na Alemanha e na Suíça, as companhias estão em apuros por conta de instrumentos de poupança comercializados em tempos mais favoráveis, que garantem retornos muito acima da rentabilidade atual dos títulos. As seguradoras japonesas tiveram problema parecido nas décadas de 1990 e 2000.

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As companhias de seguros dotadas de unidades de gestão de ativos conseguem escapar dessa pressão. Os retornos de seus produtos de poupança não são garantidos, variando de acordo com o comportamento do mercado financeiro. Mas o impacto da baixa rentabilidade também vem, pouco a pouco, tirando o fôlego das administradoras de ativos: os clientes tendem a reparar mais no impacto das comissões agora do que quando os retornos estavam na casa dos dois dígitos. Os investidores estão migrando para os fundos negociados em bolsa e para os fundos de índices, que operam com estratégias de baixo custo. Problema similar afeta as instituições de private banking: sua abastada clientela começa a sentir no bolso a mordida das comissões.

De certa maneira, os problemas de cada um desses segmentos são manifestações do mesmo fenômeno. Os juros de curto prazo e as rentabilidades dos títulos públicos são as taxas livres de risco que formam a base de todos os retornos financeiros. O retorno esperado sobre as ações inclui essa taxa livre de risco e um prêmio adicional, destinado a compensar a volatilidade do mercado de ações e o risco de que o investidor sofra perdas. Boa parte da receita das empresas de serviços financeiros vem da “fatia” desses retornos que elas embolsam. Agora o bolo a ser repartido ficou menor.

A ironia é que as políticas de juros baixos foram adotadas com o intuito de salvar o setor financeiro e, por meio da consequente expansão do crédito, o restante da economia. Muitos eleitores se revoltaram com o socorro oferecido a instituições que eram as próprias responsáveis pela crise. Dificilmente lhes servirá de consolo o fato de que essas mesmas políticas agora estão asfixiando lentamente todo o setor financeiro.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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