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Bolsonaro ignora equipe econômica e dá aval para manter reajuste de servidores

Com apoio do presidente, Congresso modificou projeto elaborado por Guedes, para congelar salários de funcionários públicos, e diminuiu economia de gastos em até R$ 90 bilhões

Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author Julia Lindner
Por Adriana Fernandes e Julia Lindner
Atualização:

BRASÍLIA - Com aval do presidente Jair Bolsonaro ao corporativismo do funcionalismo público, o Congresso atropelou medida desenhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de congelamento de salários dos servidores públicos, e reduziu em quase R$ 90 bilhões a economia nos gastos do governo federal, Estados e municípios com a folha de pagamento de pessoal até 2021.

O congelamento era a contrapartida que Guedes cobrou para repassar diretamente R$ 60 bilhões aos governadores e prefeitos nos próximos quatro meses, suspender dívidas e manter garantias do Tesouro em empréstimos, num alívio financeiro total de R$ 125 bilhões, em meio à crise provocada pela pandemia do coronavírus

Davi Alcolumbre, que foi o relator do texto, sofreu inúmeras pressões do funcionalismo público para 'salvar' salários do congelamento. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

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A Câmara “salvou” várias categorias do congelamento e o Senado manteve as mudanças, com exceção dos policiais legislativos. As alterações reduziram para R$ 43 bilhões a economia que seria obtida nas contas de União, Estados e municípios. 

Esse é mais um desgaste para Guedes, que enfrentou, há duas semanas, “fogo amigo” no lançamento do programa Pró-Brasil (que previa a ampliação de investimentos públicos em infraestrutura) e não conseguiu emplacar a reforma administrativa (com redução no número de carreiras e do salário de entrada de novos servidores) – de novo, por resistência de Bolsonaro.

A proposta inicial negociada com o relator do projeto de auxílio emergencial a Estados e municípios no Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), era de uma economia de R$ 130 bilhões em 18 meses. Depois da pressão do funcionalismo, principalmente da área militar, o Senado não quis repor o texto inicial. 

Alcolumbre chegou a apresentar um relatório retirando da lista de exceções os professores e policiais legislativos. Mas, diante da pressão, deixou os professores de fora do congelamento. 

“Nos momentos de negociação, havia dois governos. Uma área econômica do governo técnica e querendo segurar, e a área política comandada por servidores militares, o ministro Ramos (Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo), indo para outra direção”, disse o relator do projeto na Câmara, Pedro Paulo (DEM-RJ). Para ele, o congelamento vai “cair” na Justiça.

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Apesar do recuo em relação aos servidores da Educação, o presidente do Senado reintroduziu no texto a expressão “desde que esses servidores trabalhem no combate à pandemia”. A frase tinha sido retirada na votação da Câmara por determinação do presidente Bolsonaro e foi motivo de desavenças do líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), com Guedes. “Sou líder do governo, e não líder de qualquer ministério”, disse ele. 

Ele contou que, durante a votação na Câmara, na útlima segunda-feira, 4, conversou com Bolsonaro, que deu a ele a ordem. “Faça dessa maneira e vamos acompanhar esses profissionais que estão na ponta da linha”, disse o líder. O Ministério da Economia não se manifestou. 

Texto ‘salva’ 70% dos servidores do congelamento

Sete de cada dez servidores em serviço nos Estados e municípios vão poder ter reajustes salariais até dezembro de 2021. O restante vai arcar sozinho com o congelamento de salários e promoções nos próximos 18 meses. As alterações feitas na Câmara e mantidas pelo Senado, que “salvaram” várias categorias do congelamento de salários, reduziram o alcance da medida proposta por Guedes, como uma “cota de sacrifício” do funcionalismo público – que tem estabilidade no emprego – na crise da pandemia da covid-19. 

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O crescimento da folha de pessoal é hoje o principal fator a corroer o espaço do Orçamento da maioria dos Estados e municípios brasileiros. Os servidores das áreas de Saúde, Educação e Segurança são responsáveis pelo maior peso nas folhas de governadores e prefeitos. No caso do governo federal, as categorias poupadas representam cerca de 60% do total dos servidores.

Foram poupados do congelamento servidores da área de Saúde (como médicos e enfermeiros), policiais militares, bombeiros, guardas municipais, policiais federais, policiais rodoviários federais, trabalhadores de limpeza urbana, de assistência social, agentes socioeducativos, técnicos e peritos criminais, professores da rede pública federal, estadual e municipal, além de integrantes das Forças Armadas.

As diversas categorias de servidores mostraram força de mobilização e pressão no Congresso, mesmo com as críticas de diversos setores da sociedade civil, afetados pela crise com demissões e corte de salários, que cobraram medidas semelhantes dos servidores. 

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De acordo com dados oficiais, hoje já são mais de 5,5 milhões de trabalhadores que tiveram o salário reduzido ou o contrato suspenso por causa da crise provocada pela pandemia. A expectativa é que 73% dos empregados formais sejam atingidos com uma das duas modalidades. Outros 50 milhões de pessoas já receberam o auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo a desempregados e informais. 

“Imagino que quem teve corte de salários esteja bastante frustrado de ter que pagar aumento para servidor que está ganhando salário em dia, enquanto o seu salário está cortado”, disse o líder do Novo na Câmara, o deputado Paulo Gustavo Ganime (RJ)

O Novo foi o único a orientar o voto “não” na ampliação das categorias blindadas pela Câmara. “Eles (os deputados) pensaram menos no Brasil e mais em defender as próprias categorias e os votos que eles têm nessas categorias”, disse o deputado. 

Alcolumbre, pediu aos servidores que não foram poupados que entendam o congelamento dos salários como uma “contribuição”. “Os servidores vão contribuir apenas com a suspensão do reajuste por 18 meses”. O que estamos pedindo é uma colaboração, uma contribuição”, afirmou antes de votar o texto.

Na votação da última quarta-feira, 6, os senadores chancelaram alterações feitas pela Câmara que afrouxaram a contrapartida estabelecida por Guedes, para que governadores e prefeitos recebam o dinheiro. A equipe do ministro tentou reverter algumas derrotas, mas não conseguiu convencer os senadores.

Os governadores e prefeitos terão que regulamentar quem está ou não na linha de frente de combate na covid-19, o que pode esvaziar ainda mais a eficácia do congelamento com tantas categorias excluidas.

Para a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)do Senado, Simone Tebet (MDB), o congelamento vai criar um “Frankenstein jurídico”. Na sua avaliação, o projeto faz ingerência indevida na automomia de dar ou não reajuste de competência e responsabilidade constitucional de cada governador e prefeito. “Nenhum governador ou prefeito, ainda que quisesse, conseguiria dar aumento neste ano e, se quiser fazê-lo, só no ano que vem”, disse.

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Justiça

Para a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), o Congresso fez “justiça” ao ampliar as categorias de servidores que vão poder ter reajustes nos salários até o fim de 2021. O sindicato sinalizou que vai recorrer do congelamento para os demais servidores, classificado como “indigno e vexatório”. 

A Fenafisco alegou que os servidores públicos estão entre os que mais pagam impostos no Brasil e, pelo critério da isonomia, manter o congelamento para os demais servidores é “legalmente frágil”. A federação reúne 32 sindicatos com mais de 37 mil filiados. 

“Sem desmerecer a importância da medida dispensada à ampla maioria dos servidores públicos, a Fenafisco entende que se mostra insustentável do ponto de vista fiscal, injustificável do ponto de vista constitucional (pelo princípio da isonomia) e incompreensível do ponto de vista político a manutenção do congelamento salarial para os demais servidores públicos”, diz a entidade.