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Burocracia da máquina pública pode frustrar sucesso de empresários na política

Após conquistarem eleitorado cada vez mais resistente aos 'políticos tradicionais', empresários precisam se adaptar ao modelo de gestão pública

Por Ricardo Rossetto e Nathália Larghi
Atualização:

SÃO PAULO - O resultado das eleições municipais no Brasil e a vitória do magnata Donald Trump nos Estados Unidos mostram que a confiança dos eleitores em "empresários bem-sucedidos" vem ganhando força. Embora as motivações sejam diferentes nos dois países, as implicações dessa tendência são parecidas. Especialistas alertam que nem sempre o raciocínio corporativo, baseado na busca constante por resultados, pode ser transplantado na administração pública.

Os empresários João Doria, eleito prefeito da cidade de São Paulo, e Donald Trump, eleito presidente dos Estados Unidos, precisarão se adaptar ao funcionalismo público Foto: Montagem Divulgação/Reuters

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A visão voltada para atingir o máximo da eficiência, o alto grau de decisão e o olhar empresarial, que detecta mais facilmente onde gastos podem ser enxugados e em quais setores podem ser reaplicados, são alguns dos traços comuns aos executivos com forte apelo entre os eleitores. 

Aliada a uma crescente resistência dos brasileiros com os chamados "políticos tradicionais", as campanhas dos "executivos de sucesso" foram bem-sucedidas em 828 cidades, que elegeram empresários como prefeitos em 2016, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número representa 15% dos municípios brasileiros e é 18,3% maior do que o registrado em 2012.

Mas a possibilidade de que um executivo competente se torne um bom político pode ser barrada por características do funcionalismo público. A burocracia, a falta de poder para tomar decisões sozinho e a necessidade de lidar diretamente com os demais funcionários públicos - que não podem ser desligados ou substituídos -, são alguns dos fatores que exigem adaptação dos empresários que chegam a um cargo político. 

"Às vezes o executivo tem um ritmo, uma forma de agir e de lidar com os funcionários que, no funcionalismo público, não é viável. Pode haver até falta de encaixe de personalidade. No caso dos EUA, por exemplo, Trump se tornou efetivamente um político, mas pode não ter personalidade ou o caráter que se encaixem nesse ambiente", explica o economista Fábio Gallo. 

Por isso, especialistas apontam que é importante que o executivo também saiba se comportar como um bom negociador, capaz de gerir conflitos e de se comunicar bem com eleitores, com membros de sua equipe e também com outros políticos. "Isso é mais importante do que ter aquele perfil de empresário mais agressivo, totalmente focado em metas", afirma o professor da UFRJ Ricardo Rohm, especialista em administração pública e privada.

A habilidade de negociar também deve estar refletida na equipe que o empresário reúne em sua gestão. Rohm explica que é fundamental que o executivo eleito escolha um grupo bem preparado, com conhecimento em gestão e direito público, para poder ajudá-lo a lidar tanto com os conflitos de interesse quanto com as regras de controle impostas na administração pública. Mas, para isso, é preciso que o temperamento do executivo seja flexível.

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"Pela personalidade do Donald Trump, por exemplo, acho que ele terá dificuldade de construir um time para tratar das 'questões espinhosas' da política. Por ele ser impulsivo naturalmente, a possibilidade de confrontos é grande, é uma preocupação", opina o professor Carlos Braga, da Fundação Dom Cabral. Para ele, a gestão do prefeito eleito em São Paulo, João Doria, poderá ser mais "segura" do que a do novo presidente dos EUA, justamente pela personalidade mais maleável. 

Mesmo o amparo de bons profissionais e a habilidade em dialogar não são suficientes para garantir que boas decisões sejam tomadas e colocadas em prática. O caminho entre a ideia e a execução, no ambiente político, tende a ser mais longo. Além da burocracia para tirar uma ação do papel, cada projeto exige um estudo minucioso para checar sua viabilidade e eventuais consequências. 

Essa demora pode frustrar o executivo recém-chegado à administração pública, principalmente os que não compreendem bem a dinâmica e a complexidade do sistema político. Por isso, é comum que candidatos com comportamentos mais agressivos mudem o tom dos discursos após as eleições.

"Não é raro acontecer de o executivo chegar no poder e a conversa se tornar outra. Na hora de colocar a coisa na prática, ele terá que agradar a gregos e troianos e existe um processo e regras de controle a serem seguidos", afirma Ricardo Rohm, da UFRJ.

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O mesmo vale para o eleitor que, ao apostar em um candidato fora do perfil político, espera ver mudanças significativas imediatamente, sem levar em consideração que existem regras do próprio sistema que podem barrar o cumprimento de algumas promessas de campanha.

O importante, segundo o professor Carlos Melo, do Insper, é que os empresários recém-chegados tenham 'humildade' para reconhecer que estão em um ambiente diferente e que, por isso, precisam se adaptar. "Na sua empresa, você manda e paga as pessoas. No Estado, você precisa convencer, persuadir e construir. Então, é preciso que o político encontre novas formas de lidar com aquela realidade que é nova para ele", afirma.