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‘Câmbio pode aliviar a crise em 2016’

Bresser diz que as exportações devem tirar o País da crise aguda, mas é preciso baixar os juros logo

Por Vinicius Neder
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RIO - Aos 81 anos, ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira acha que a fase mais aguda da crise política passou e que, talvez em 2016, “graças ao câmbio”, poderá haver alguma recuperação da economia, sobretudo se o Banco Central (BC) não demorar a cortar os juros. O relativo otimismo de Bresser, professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV), termina no curto prazo: passada a recessão, a economia não conseguiria crescer mais do que 2% ao ano.

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 Para retomar o crescimento, seria necessário adotar políticas para evitar que a cotação do dólar volte a cair, baixar os juros e reduzir a indexação que gera inflação. Ele defende a criação de um órgão semelhante ao Copom (comitê do BC que define os juros), para controlar a taxa de câmbio.  “Que era preciso fazer ajuste fiscal, não há dúvida, não se faz política expansionista em cima de um Estado quebrado. Agora, o BC quebrar mais ainda o Estado com essa política de juros é uma loucura completa”, diz Bresser, na seguinte entrevista ao Estado:

Como o sr. está vendo a recessão da economia?

Estávamos numa recessão em outubro do ano passado, na época das eleições, e não sabíamos. Essa crise aconteceu por causa da violenta queda do preço das commodities exportadas pelo Brasil. Em cima disso, os empresários, desde 2013, tinham ficado extremamente insatisfeitos com o governo e perderam a confiança, com pouca disposição para investir. Essas duas coisas fizeram com que a economia brasileira, que é cíclica como qualquer outra economia, entrasse em crise. Isso se agravou porque naquele momento a Dilma estava cometendo seu grande erro. 

Houve erros na economia?

Hoje se culpa a Dilma por todos os males do Brasil. Isso é falso, mas a Dilma cometeu um grande erro, quando viu que as duas políticas fundamentais adotadas para retomar o crescimento, a depreciação cambial, que ela conseguiu fazer em 20%, e a baixa dos juros, não funcionaram. Como a economia não retomou, como política de última instância, ela acreditou que a política industrial resolveria. E por política industrial ela entendeu as desonerações de diversos setores. Isso custou uma quantidade enorme de dinheiro. Evidentemente, não teve efeito. As empresas não estavam investindo desde o começo do governo, e a crise piorou. Quando surgiu a notícia de que o superávit primário tinha caído de 1,6% ou 1,7% (do PIB) em 2013 para -0,6% em 2014, configurou-se uma crise fiscal e a situação tornou-se pior do ponto de vista de perda de confiança do governo e de aprofundamento da recessão.

Os erros na economia não estão por trás da recessão, então?

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Todos os países da América Latina, todos os países exportadores de commodities, sempre foram isso. E o Brasil voltou a ser isso. Destruiu sua indústria e hoje é um exportador de commodities. O crescimento dos países latino-americanos caiu de quase 5%, em 2010, para 1% em 2014. As outras economias latino-americanas não estão em crise, nós estamos. Qual a diferença? Nós estamos destruindo firme e quase deliberadamente nossa indústria, enquanto os outros países não tinham indústria para destruir. Isso é uma grande vantagem para eles. Ou uma grande perda para nós. Com a subida do preço das commodities, a “doença holandesa” em todos os países, se agravou. A sua gravidade depende das commodities: quando o preço cai muito, ela pode até desaparecer; quando sobe bastante, fica altíssima. A “doença holandesa” é a apreciação forte da taxa de câmbio causada pelos recursos naturais abundantes e baratos. A nossa crise é também uma crise violenta da indústria.

Com o dólar a R$ 3,50, o câmbio pode ajudar a economia? 

Ajuda muito. Como sou economista, acredito no mercado. A grande maioria das empresas, com o câmbio a R$ 3,50, está competitiva. Prefiro R$ 3,60, mas se elas acharem que esse câmbio vai continuar mais ou menos nesse nível, vão investir para exportar ou vão substituir importações, de forma sadia. Volta a tornar as empresas competentes a serem competitivas. A tragédia de 1990 foi que as boas empresas brasileiras deixaram de ser competitivas internacionalmente. Alguns dizem que a culpa é das empresas, porque a produtividade caiu. É verdade, a produtividade da indústria caiu bastante, especialmente nos anos 2000, mas caiu por quê? Porque não se investe. E por que não se investe? Porque não há expectativa de lucro, pois o câmbio estava apreciado.

O que explica uma recessão tão grande em 2015?

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Já estávamos com a economia muito frágil, semiestagnada, desde 1990, por causa do câmbio. Em cima disso, vieram a queda das commodities, a perda de confiança na presidente, o superávit primário que desapareceu e os juros que vinham aumentando. O BC vinha desde 2013 aumentando os juros, com a economia desaquecida. E continuou. Depois que ficou claro que estávamos em recessão, eles continuaram a aumentar, o que é uma loucura completa, é um escândalo. O BC aproveitou-se da fraqueza do governo para se resgatar do erro que acha que cometeu em 2011, o que é absurdo. Que era preciso fazer ajuste fiscal, não há dúvida, porque não se faz política expansionista em cima de um Estado quebrado. Agora, o BC quebrar mais ainda o Estado com a política de juros é uma loucura completa.

Alguns economistas acham necessário para trazer a inflação para a meta no ano que vem.

Já temos uma recessão que é mais do que suficiente, mas a inflação não vai chegar a 4,5% em 2016, porque há um elemento inercial na nossa inflação que não foi destruído. Mantivemos de maneira absolutamente irresponsável as indexações. Fazemos com que os preços das concessões dos serviços públicos tenham cláusula de indexação. Isso é um escândalo, é um absurdo. A indexação é um mal profundo, um mal absoluto, uma coisa que fez um mal enorme para a economia brasileira. 

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O ajuste fiscal dará certo?

O Levy não conseguiu fazer tudo o que queria, mas está clara a determinação do governo de fazer ajuste fiscal. Isso restabelece a confiança por esse lado. O que está destruindo a confiança é o BC com essa política. E os aproveitadores, tipo o (presidente da Câmara dos Deputados,) Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aproveitam a crise para se lançar.

Aí entramos na seara política. 

Esta semana ocorreu uma revirada muito grande, que foi a mudança de posição do (presidente do Senado,) Renan Calheiros (PMDB-AL). Eles apresentaram uma lista de reformas, a maioria delas altamente necessárias. Isso mostra que temos políticos que pensam um pouco no Brasil. É o primeiro grande momento de virada dessa crise.

Pode haver impeachment?

A presidência da Dilma é totalmente legítima do ponto de vista legal, o impeachment não vai sair. O Brasil é um País sério, não é uma república de bananas. A presidente está fazendo o que tem que fazer, chamou dois economistas competentes, o Levy e o Nelson (Barbosa, ministro do Planejamento), chamou o (vice-presidente) Michel Temer, que é competente também, para ajudar na coordenação política. E isso aos poucos vai ter efeito e ela vai governar até o fim do seu governo sem maiores sustos.

O sr. está otimista?

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Já passou o mais agudo. As instituições são fortes, a democracia brasileira é consolidada, construída há muitos e muitos anos. Um impeachment, que é um golpe de Estado, seria um retrocesso muito grande na democracia, coisa em que ninguém está interessado.

E a postura do PSDB?

Teve uma parte do PSDB, junto com o (senador) Aécio (Neves), que foi um descalabro. Eles ficaram falando em impeachment e votaram a favor de leis que expandiam o gasto público. Mas tem outro lado, o (ex-presidente) Fernando Henrique, o (senador José) Serra (PSDB-SP), o (governador de São Paulo, Geraldo) Alckmin, que estão tranquilos. Há homens responsáveis em todos os partidos. Os políticos brasileiros não são tão ruins quanto dizem, a crise política acaba. 

E a crise econômica?

A crise aguda, talvez melhore em 2016, graças às exportações e ao câmbio, apesar do BC. Seria importantíssimo que ele voltasse a baixar os juros logo. Isso resolve a crise de curto prazo, mas o Brasil volta a crescer a 2%. (Para ir além,) É preciso neutralizar a “doença holandesa”, haver um compromisso da sociedade para manter a taxa de câmbio competitiva e o governo deveria tirar a condução do câmbio do BC, porque ele é parte interessada.

Como assim?

O BC do Brasil, e de todo o mundo, usa a taxa de câmbio para segurar a inflação, o que é uma coisa irresponsável. Deveríamos criar um órgão semelhante ao Copom, para controlar a taxa de câmbio. 

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