SÃO PAULO E BRASÍLIA - Desde que a Petrobrás iniciou sua nova política de preços para os combustíveis, em 3 de julho do ano passado, o óleo diesel subiu 56,5% na refinaria, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) – passou de R$ 1,5006 para R$ 2,3488 (sem contar os impostos). O aumento acompanhou a cotação do petróleo no mercado internacional, exatamente a intenção da estatal. Mas, para os caminhoneiros, essa alta vem tornando sua atividade inviável. E, por conta disso, fizeram um protesto, nesta segunda-feira, 21, que paralisou estradas em todo o País.
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O que os caminhoneiros querem é que o governo promova alguma mudança que faça cair os preços do combustível – o pedido é que sejam reduzidos impostos. “Se o nosso transporte é essencial, queremos um preço diferenciado para o diesel no setor de cargas”, disse Diumar Bueno, presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (não ligados a transportadoras).
O governo fez uma reunião na noite desta segunda-feira para discutir a questão, mas não conseguiu chegar a uma decisão. Nesta terça, 22, haverá mais rodadas de reuniões. A primeira delas será pela manhã, no Ministério da Fazenda, onde o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, receberá o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. Eles deverão tentar encontrar uma forma de evitar oscilações tão frequentes no preço da gasolina e do diesel no mercado doméstico.
Há, porém, fortes limites ao que o governo pode fazer em relação a esse impasse. A política de atrelar os preços dos combustíveis à variação do petróleo no mercado internacional é um dos pilares da gestão de Pedro Parente na Petrobrás e foi muito bem recebida pelo mercado, ao marcar uma diferença fundamental em relação à administração da empresa no período em que Dilma Rousseff era a presidente da República. Naquele período, os preços eram segurados para não alimentarem a inflação, e o resultado foi bem ruim para a estatal.
Com a nova política, a empresa demonstra ao mercado que possui autonomia e não atua para atender os interesses de governo, mas dos seus acionistas. Mexer nisso agora seria um grande problema para o governo.
Reduzir impostos também seria uma saída difícil nesse momento, como deixou claro o ministro Eduardo Guardia, nesta segunda-feira. “Uma discussão (sobre a redução da tributação sobre combustíveis) começou no governo, mas não há uma decisão”, disse, em teleconferência com a imprensa internacional. “Não temos essa flexibilidade, em razão da consolidação fiscal. Optamos por não aumentar impostos, porque a nossa estratégia é de reduzir custos. Mas não temos espaço para cortar tributos no momento.”
Teste. “Esse é o primeiro teste da nova política de preços da Petrobrás. Porque, até então, os preços estavam em baixa. Agora, é um período de continuidade de altas no mercado internacional (ver página B3). Na semana passada, o preço do diesel foi reajustado quatro vezes”, disse o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor do Grupo de Economia da Energia da UFRJ (GEE/UFRJ), Helder Queiroz, que defende um tratamento diferenciado para o diesel e para o gás de cozinha (GLP).
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Protestos. O protesto dos caminhoneiros paralisou rodovias em 19 Estados e no Distrito Federal, nesta segunda-feira, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apenas em rodovias federais, a PRF contabilizava 124 pontos com manifestações até o fim da tarde. Para a Confederação Nacional dos Transportes Autônomos (CNTA), houve 127 bloqueios totais ou parciais, incluindo rodovias estaduais de São Paulo e Santa Catarina. A previsão é de que o protesto continue nesta terça.
Os caminhoneiros reivindicam preço diferenciado para o transporte de cargas e o fim da cobrança de pedágio para o eixo suspenso, além de melhoria no valor do frete. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, os reajustes constantes do diesel nas refinarias e dos impostos que recaem sobre o combustível tornaram a situação insustentável. “Mesmo com a mobilização marcada, o governo anunciou outro aumento. Há correção quase diária, que dificulta a previsão de custos por parte do transportador.” Segundo ele, os protestos estão sendo pacíficos. “Não apoiamos barricadas, nem depredação de patrimônio público.”
O presidente da CNTA, Diumar Bueno, disse que a mobilização deve prosseguir por tempo indeterminado. “Vamos continuar até que o governo nos atenda”, afirmou.
De acordo com a Polícia Federal, os Estados com maior número de manifestações eram Paraná, com 20 bloqueios, Rio de Janeiro, com 15 estradas bloqueadas, e Minas Gerais e Bahia, com 14 pontos cada um. No Paraná, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva proibiu a interdição de rodovias, prevendo multa de R$ 100 mil por hora de bloqueio, mas permitiu protestos em meia pista, desde que o tráfego não fosse interrompido. Em Santa Catarina, houve 9 bloqueios, incluindo rotas de abastecimento das granjas de aves e suínos. Em Mato Grosso do Sul, no acesso a Campo Grande, manifestantes fizeram barricadas com pneus e atearam fogo.
Comboios. Em São Paulo, os caminhoneiros entraram em comboios na capital, causando congestionamentos nas Marginais do Tietê e do Pinheiros e nas Avenidas Escola Politécnica e Jacu-Pêssego. Houve bloqueios em três pontos da Via Dutra, na Fernão Dias, em Atibaia, e no acesso à Refinaria de Paulínia. Em Jacareí, na Dutra, um caminhão que tentou furar o bloqueio foi apedrejado e teve o pneu furado.
Até o fim da tarde, segundo o presidente da CNTA, o governo não havia indicado que abriria negociação. “Acho que o governo vai nos procurar quando o movimento, que já é significativo, ganhar mais corpo. Vai começar a faltar produto”, disse. No Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, ainda há soja da safra sendo escoada por rodovias – por onde passam 56% da produção nacional. Com o aumento que entra em vigor nesta terça-feira, 22, o preço médio do diesel subiu para R$ 2,3716.
Prejuízo. A manifestação de caminhoneiros contra o reajuste nos preços do óleo diesel preocupa o setor agrícola, pois tem potencial para prejudicar o escoamento da safra de grãos de verão no Rio Grande do Sul, disse ao Broadcast Agro o diretor executivo da Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (Acebra), Roberto Queiroga.
"Apesar de estarmos oficialmente em uma entressafra, parte dos grãos cultivados na primeira etapa da temporada 2017/18, dentre eles a soja, ainda está sendo transportada", alerta o executivo. Para o interior do Paraná, Queiroga prevê problemas em alguns pontos específicos mas sem grandes prejuízos, por causa do calendário de escoamento da safra. "Vamos acompanhar os desdobramentos das paralisações até o fim do dia e entrar em contato com as associações regionais para detalhar melhor os eventuais impactos sobre o setor", acrescenta.
De qualquer forma, comenta o diretor, a movimentação entre os caminhoneiros acendeu uma luz de atenção para todos as regiões que se utilizam do transporte de cargas, seja soja, milho ou demais produtos.
Quanto à região Centro-Oeste, e especificamente Mato Grosso, maior Estado produtor de grãos, o gerente de Economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan, disse que ainda é cedo para traçar potenciais prejuízos, mas destacou que a entidade também está monitorando o andamento das manifestações. "A priori, trata-se apenas de uma paralisação de caminhoneiros, mas se avançar para bloqueio, de fato, das rodovias, a Abiove defende que sejam realizadas ações dos governos federal e estaduais com a devida prioridade para que nenhum setor da economia, não só o agronegócio, tenha problemas com abastecimento", avalia Furlan. / Vinicius Neder, Nayara Figueiredo, José Maria Tomazela, Eduardo Rodrigues, Lorenna Rodrigues e Wilson Tosta