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‘Capitalismo nos EUA está em crise’, diz professor da Universidade de Chicago

Para Luigi Zingales, os benefícios concedidos aos empresários resultaram em desequilíbrios na economia americana

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:

O economista italiano Luigi Zingales está no centro do liberalismo econômico dos Estados Unidos. Professor da Universidade de Chicago, ele acredita que o capitalismo americano enfrenta uma crise. As medidas adotadas pelos últimos governos dos EUA beneficiaram empresas e grupos específicos, o que resultou em uma série de distorções econômicas. “O risco dessa visão é a corrupção institucional que ela causa, além da perda de habilidade que o sistema tem para crescer e beneficiar a todos”, diz. A defesa de Zingale é para que haja um regime mais pró-mercado</IP>, o que, na visão dele, beneficiaria toda a população. O economista vem ao Brasil na próxima semana para lançar o livro Um Capitalismo para o Povo. Também participa de debates no Insper, em São Paulo, e na PUC, no Rio. A seguir trechos da entrevista concedida ao Estado.

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Por que o sr. diz que o capitalismo americano está em crise? Por duas razões. Primeiro, já gastei metade da minha vida nos EUA e vi algumas das características únicas e especiais do sistema americano se deteriorando. Segundo, o bom sistema capitalista pode sobreviver apenas quando existe consenso em favor dele. E esse consenso não está existindo nos Estados Unidos pelo fato de que os benefícios do sistema tendem a ser concentrados para poucas pessoas.

Quando essa deterioração do sistema começou? É difícil apontar um momento particular. Foi uma combinação de fatores. A aproximação do resto do mundo ao padrão dos EUA tornou mais difícil para um americano médio pertencer a esse grupo. No período entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 1980, a mão de obra americana era mais educada, por exemplo. Várias características tornavam o país único. Mas, hoje, o resto do mundo ficou mais competitivo. Houve também a deterioração da qualidade das instituições. Ao invés de se pensar em como o sistema pode ser bom para todos, houve um aumento do que se considera importante apenas para grupos particulares. 

Então, os EUA tiveram governo voltados para os empresários? Eu acredito que os EUA chegaram a ter governos voltados mais para o mercado <MC0>no passado, mas agora são mais voltados para empresários.

Quais são os riscos dessa política voltada para os empresários? O risco dessa visão é a corrupção institucional que ela causa, além da perda de habilidade que o sistema tem para crescer e beneficiar a todos. De um lado, nós temos um recuo nas taxas de crescimento, e, de outro lado, temos uma queda no suporte para o sistema de livre mercado.

Existe alguma intervenção aceitável na economia? O mercado precisa de regras para operar. A pergunta é quem vai implementá-las e mantê-las funcionando. Mas, além disso, é importante entender que a criação de uma rede de proteção social pode ser considerada uma intervenção pró-mercado. 

Por quê? Os empreendedores buscam com frequência lobbies para conseguirem subsídios. Quando uma empresa está prestes a falir, o empresário diz que precisa de ajuda porque os trabalhadores vão ficar desempregados. O meu ponto de vista é que, se temos uma boa proteção social, não é preciso se preocupar com os trabalhadores, e as empresas podem falir sem problema. Num modelo de livre mercado, as empresas precisam falir, mas os indivíduos não precisam sofrer.

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Mas, na última grande crise internacional, os governos tiveram de usar dinheiro público para resgatar grandes empresas.  Nos EUA, a crise financeira foi tão intensa que, provavelmente, um tipo de intervenção formal do governo se fez necessária. Mas, em geral, defendo que o dinheiro do governo não seja usado para salvar companhias. 

Luigi Zingales, professor da Universidade de Chicago Foto: Divulgação

Em 2016, haverá nova eleição presidencial nos EUA. O sr. vê alguma mudança nesse cenário com os pré-candidatos que já se apresentaram? Eu não vejo uma mudança próxima. O que eu vejo são algumas forças tentando pressionar por mudanças. Ironicamente, essas forças estão espalhadas no sistema político. Nos Estados Unidos, existe muita disputa em questões como aborto e casamento gay, mas, quando existe a discussão sobre subsídios para empresários, a direita e a esquerda votam juntas. A distinção não é sobre quem é de esquerda ou de direita, mas quem é pró-mercado ou pró-empresários.

Democratas e republicanos são pró-empresários, então? Eu acho que a cúpula dos partidos é pró-empresários. E a razão é muito simples: é onde está o dinheiro e onde eles conseguem o financiamento.

O Brasil está discutindo a atuação do governo na economia, como o uso dos recursos do BNDES. Qual é a opinião do sr. sobre isso? Eu não sou um especialista em Brasil. O BNDES até tem um critério técnico, mas é fortemente influenciado pelo sistema político. Isso cria um sistema clientelista, porque quem toma o crédito precisa estar ligado aos políticos. Normalmente, o que não levamos em conta é que, quando damos créditos para algumas empresas, outras são impossibilitadas de crescer. Não é apenas o dinheiro gasto, mas a distorção na economia que se cria. 

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O Brasil não tem um partido liberal. Os principais são considerados social-democratas. É difícil defender o capitalismo? Esse ponto de vista, mais pró-mercado, está relacionado com a ideia de que pode se fazer o que quiser. Qualquer um com interesse em questões sociais se torna, quase que por padrão, um social-democrata, porque não vê o outro lado com interesse nas pessoas em geral.

É possível um governo ser considerado pró-mercado e socialmente responsável? Absolutamente. Mas isso está mais na plataforma intelectual. Não vejo essas combinações de ideias muito presentes. Não é só no Brasil ou na América Latina. É na Europa ou nos EUA. Mas acho que essa síntese precisará ser feita para que possamos ir adiante.

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