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Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

Opinião|Carnaval

Os produtores festejam assim seu carnaval, com entusiasmo, colhendo e plantando

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Atualização:

Domingo de carnaval, mais uma vez. Foliões de todas as cidades, das menores até as grandes capitais, já amanhecem cansados com a primeira noite de festança do sábado, e isso quando não começaram a celebração momesca na sexta-feira mesmo. E se preparam para sair nos blocos ou atrás de trios elétricos que enchem as ruas de ritmos e de uma ruidosa alegria sem reservas. Ou combinando com amigos para sambar em pequenos grupos nos salões enfeitados com serpentinas multicoloridas dos clubes e bailes fechados. E lá se vão todos, com máscaras, brilhos e paetês, fantasiados de colombinas, pierrôs, palhaços, piratas, baianas e mulheres-maravilhas, nessa catarse extraordinária que tudo nivela e anestesia.

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Bem-vindo, carnaval. Os brasileiros bem que merecem um momento de trégua nessa dura quadra que estamos atravessando, com tantas notícias desagradáveis de violência, de desentendimento, de corrupção, de falta de compromissos com as reformas que melhorem o futuro deste maravilhoso País que hoje está quebrado. Ou com o desemprego que atormenta milhares de famílias, com balas perdidas que enlutam outras, com as drogas e com as desigualdades que nos vigiam em cada esquina. E toda gente sai cantando e amando, esquecida das mazelas todas, com direito à “alegria fugaz, uma ofegante epidemia chamada carnaval”, como cantou Chico Buarque.

Enquanto isso, nas cidades há um despertar musical desligado das tristezas do dia a dia, nas fazendas de todos os rincões brasileiros, quando as luzes da manhã dominical mal iluminam o horizonte, ouve-se outro barulho, o das máquinas rugindo em sua saída para o campo. É tempo de colher as culturas de verão. Com outra alegria estampada no rosto, a alegria de terminar mais um ciclo, fazendeiros de todos os tamanhos e trabalhadores de todas as raças ligam as colheitadeiras que vão sendo abastecidas e lubrificadas para um dia de realização.

E rumam para os talhões onde a soja, o milho, o feijão, o arroz, o amendoim, o girassol estão maduros para a seara. E enquanto a safra colhida vai sendo transportada por centenas de caminhões, vagões e barcaças para armazéns, cooperativas, indústrias ou portos, outros tratoristas acoplam plantadeiras em suas máquinas e vão semear na área aberta as culturas de inverno, o trigo, o milho “safrinha”, o sorgo, a aveia, a cevada. Ou a cana-de-açúcar que produz a cachaça e o açúcar que viram a caipirinha com que os carnavalescos se aquecem para a festa. 

E, como sempre, uns rezarão para que o domingo tenha sol quente para secar os grãos e facilitar a colheita, e outros pedirão uma chuva criadeira que faça germinar as sementes do novo plantio ou as gemas dos toletes de cana. E sem se preocupar com o clima, com chuva ou com sol, peões ordenham vacas leiteiras, como fazem todos os dias, no carnaval, no Natal e na Semana Santa; ou tratam do gado de corte estabulado, dos frangos e leitões que alimentarão consumidores daqui e de dezenas de países ao redor do mundo.

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Os produtores festejam assim seu carnaval, com entusiasmo, colhendo e plantando. Claro que também têm suas noites insones, com os custos crescentes, com as margens diminutas, com contas que não fecham. E seguem pedalando sua bicicleta rural: se pararem de pedalar, aí o tombo é certo. Seguem carnaval após carnaval, ano após ano, semana após semana, dia após dia, pela vida afora, com sua nobre missão de produzir. Até mesmo produzir árvores que dão a matéria-prima para o confete e a serpentina. Ou os tecidos com que as folionas se vestem, às vezes um pouquinho só, para a dança esfuziante. Os agricultores e criadores não cantarão jamais a triste

Quarta-feira de cinzas de Vinicius e Carlinhos Lyra:“Acabou nosso carnaval Ninguém ouve cantar canções  Ninguém passa mais Brincando feliz. E nos corações Saudades e cinzas  Foi o que restou”. 

Seguirão sempre em frente, nos dias comuns, nos carnavais e nas outras grandes festas nacionais! Com menos saudade daquela da marchinha de Jota Jr. e David Nasser, e com mais esperança no amanhã.

*Ex-ministro da agricultura e coordenador do centro de agronegócios da Fundação Getúlio Vargas.

Opinião por Roberto Rodrigues
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