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Cessar intervenção para votar Previdência pode ser inconstitucional, dizem especialistas

Especialista em Direito Constitucional, Adib Abdouni diz que ato poderia até mesmo ser enquadrado como crime de responsabilidade do presidente

Foto do author Amanda Pupo
Por Amanda Pupo (Broadcast), Marcelo Osakabe e Fabrício de Castro
Atualização:

Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast acreditam que o ato de cessar a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro para votar a reforma da Previdência pode ser declarado inconstitucional. Um deles acredita que Temer poderia até mesmo ser responsabilizado pelo crime de responsabilidade se derrubar o decreto com a justificativa de colocar a reforma para votação. 

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Professor e especialista em direito constitucional, Daniel Falcão entende que o ato poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). “Vejo claramente como inconstitucional. É uma espécie de artifício que não deveria acontecer. Um ‘puxadinho’ constitucional”, afirmou.  

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Com a mesma opinião, o professor de direito constitucional do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) Eduardo Mendonça afirma que a atitude é “muito” questionável. “Seria usada claramente para contornar o artigo da Constituição que veda emendas à Constituição durante períodos de intervenção”, explica. 

Mesmo que Temer derrube a intervenção para votar a previdência e justifique o ato no decreto por outros motivos, a intenção do presidente sobre a votação fica clara, uma vez que ele afirmou durante a assinatura do decreto que quando a reforma estiver para ser votada fará a “cessar a intervenção”, entende Mendonça, classificando a situação como “altamente inusitada”. 

Presidente Michel Temer Foto: Joédson Alves/EFE

A intenção de Temer foi reafirmada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, ao dizer que, apesar da intervenção, o processo de negociação sobre a Reforma da Previdência continuará.

“Quando chegar o momento da votação da reforma, o presidente Temer irá suspender a intervenção, mas irá decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ampliada no Estado. Assim que a votação acabar, será decretada novamente a intervenção, que será novamente levada ao Congresso”, completou o ministro. 

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Especialista em Direito Constitucional, Adib Abdouni entende que a atitude de justificar o fim da intervenção sob os motivos da votação da previdência pode ser enquadrada como desvio de finalidade, e pode até mesmo imputar crime de responsabilidade ao presidente da República. “Ele decretou com a justificativa de manter a segurança do estado. Então finalizar a intervenção sob esses motivos é um desvio de finalidade”, afirmou.

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“Acho que isto não é hipótese constitucional (a suspensão do decreto para ser votada uma emenda constitucional). Ou cessam os motivos da intervenção ou ela continua. A intervenção se faz em benefício de quem? É da sociedade”, afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso. “Isso não seria admissível, do ponto de vista do Direito Constitucional puro. Se daqui a um mês, dois meses, achar que precisa realmente votar, e se entender que cessaram os motivos que levaram ao decreto, aí sim. Mas é preciso que se verifique a cessão dos motivos. Intervenção é algo muito sério, uma grave enfermidade no sistema federativo", diz.

Velloso lembra que, ao contrário da edição do decreto de intervenção, que precisa ser votado pelo Congresso, a sua suspensão antes de terminado o prazo estabelecido no próprio texto (31 de dezembro) depende apenas de uma declaração do presidente. O ato, no entanto, pode ser contestado por atores capacitados para propor uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), como partidos políticos, o procurador-geral da República (PGR) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

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“É possível sim (a contestação). A corte constitucional, como guardiã da Constituição, desde que haja uma violação a preceitos, pode ser chamada a decidir”, disse. “Claro que vai agir com a maior prudência, porque haveria, no caso, uma questão de interferência de um poder em outro. Mas, provocada, teria de decidir.”

‘Puxadinho’. Para o professor de Direito Público Carlos Ari Sundfeldd, da FGV Direito-SP, caso o governo revogue a ação federal para permitir a votação, ficará sujeito a uma série de questionamentos no STF. “Se a Constituição diz que não pode votar durante a intervenção e o governo revoga a intervenção para fazer isso, alguém pode ir ao Supremo questionar a validade da votação”, disse. “Vão dizer que se está fazendo uma maquiagem para burlar a proibição. Se a reforma for aprovada com este drible, os opositores vão querer impugná-la.”

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Juridicamente, seria uma operação complexa. O governo precisaria editar novo decreto revogando o decreto de intervenção. Depois de votada a Previdência, ele teria de editar um novo decreto, retomando a intervenção. “Não acho isso comum, porque a intervenção tem de ter um prazo e uma amplitude. Pode haver outro decreto daqui a alguns meses, mas isso seria uma ‘solução brasileira’”, diz o professor de Direito Constitucional Marcelo Figueiredo, da PUC-SP. Para ele, a interrupção no meio do caminho seria possível, mas não “lógico, nem desejável”.

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