Especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast acreditam que o ato de cessar a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro para votar a reforma da Previdência pode ser declarado inconstitucional. Um deles acredita que Temer poderia até mesmo ser responsabilizado pelo crime de responsabilidade se derrubar o decreto com a justificativa de colocar a reforma para votação.
Professor e especialista em direito constitucional, Daniel Falcão entende que o ato poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). “Vejo claramente como inconstitucional. É uma espécie de artifício que não deveria acontecer. Um ‘puxadinho’ constitucional”, afirmou.
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Com a mesma opinião, o professor de direito constitucional do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) Eduardo Mendonça afirma que a atitude é “muito” questionável. “Seria usada claramente para contornar o artigo da Constituição que veda emendas à Constituição durante períodos de intervenção”, explica.
Mesmo que Temer derrube a intervenção para votar a previdência e justifique o ato no decreto por outros motivos, a intenção do presidente sobre a votação fica clara, uma vez que ele afirmou durante a assinatura do decreto que quando a reforma estiver para ser votada fará a “cessar a intervenção”, entende Mendonça, classificando a situação como “altamente inusitada”.
A intenção de Temer foi reafirmada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, ao dizer que, apesar da intervenção, o processo de negociação sobre a Reforma da Previdência continuará.
“Quando chegar o momento da votação da reforma, o presidente Temer irá suspender a intervenção, mas irá decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ampliada no Estado. Assim que a votação acabar, será decretada novamente a intervenção, que será novamente levada ao Congresso”, completou o ministro.
Especialista em Direito Constitucional, Adib Abdouni entende que a atitude de justificar o fim da intervenção sob os motivos da votação da previdência pode ser enquadrada como desvio de finalidade, e pode até mesmo imputar crime de responsabilidade ao presidente da República. “Ele decretou com a justificativa de manter a segurança do estado. Então finalizar a intervenção sob esses motivos é um desvio de finalidade”, afirmou.
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“Acho que isto não é hipótese constitucional (a suspensão do decreto para ser votada uma emenda constitucional). Ou cessam os motivos da intervenção ou ela continua. A intervenção se faz em benefício de quem? É da sociedade”, afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Velloso. “Isso não seria admissível, do ponto de vista do Direito Constitucional puro. Se daqui a um mês, dois meses, achar que precisa realmente votar, e se entender que cessaram os motivos que levaram ao decreto, aí sim. Mas é preciso que se verifique a cessão dos motivos. Intervenção é algo muito sério, uma grave enfermidade no sistema federativo", diz.
Velloso lembra que, ao contrário da edição do decreto de intervenção, que precisa ser votado pelo Congresso, a sua suspensão antes de terminado o prazo estabelecido no próprio texto (31 de dezembro) depende apenas de uma declaração do presidente. O ato, no entanto, pode ser contestado por atores capacitados para propor uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), como partidos políticos, o procurador-geral da República (PGR) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“É possível sim (a contestação). A corte constitucional, como guardiã da Constituição, desde que haja uma violação a preceitos, pode ser chamada a decidir”, disse. “Claro que vai agir com a maior prudência, porque haveria, no caso, uma questão de interferência de um poder em outro. Mas, provocada, teria de decidir.”
‘Puxadinho’. Para o professor de Direito Público Carlos Ari Sundfeldd, da FGV Direito-SP, caso o governo revogue a ação federal para permitir a votação, ficará sujeito a uma série de questionamentos no STF. “Se a Constituição diz que não pode votar durante a intervenção e o governo revoga a intervenção para fazer isso, alguém pode ir ao Supremo questionar a validade da votação”, disse. “Vão dizer que se está fazendo uma maquiagem para burlar a proibição. Se a reforma for aprovada com este drible, os opositores vão querer impugná-la.”
Juridicamente, seria uma operação complexa. O governo precisaria editar novo decreto revogando o decreto de intervenção. Depois de votada a Previdência, ele teria de editar um novo decreto, retomando a intervenção. “Não acho isso comum, porque a intervenção tem de ter um prazo e uma amplitude. Pode haver outro decreto daqui a alguns meses, mas isso seria uma ‘solução brasileira’”, diz o professor de Direito Constitucional Marcelo Figueiredo, da PUC-SP. Para ele, a interrupção no meio do caminho seria possível, mas não “lógico, nem desejável”.