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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Classes médias ressentidas

O crescimento do protecionismo no mundo não se restringe a movimentos de natureza comercial

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Atualização:

O avanço da direita populista nas eleições da Itália, o furor protecionista do presidente Trump, as novas dificuldades da chanceler Angela Merkel em coordenar seu governo e, antes disso, o Brexit, o acirramento do movimento de independência da Catalunha, a onda de ódio contra os imigrantes na Europa e nos Estados Unidos – esses e outros fenômenos da mesma natureza têm lá dinâmicas e explicações próprias, mas são unificadas por um fator comum: o crescimento do ressentimento entre as classes médias.

São como o cão que morde o pau que lhe foi atirado em vez de atacar quem o atirou Foto: Marcos Müller/ Estadão

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Ou seja, o crescimento do protecionismo no mundo não se restringe a movimentos de natureza comercial. Nem o furor contra os imigrantes no Hemisfério Norte se restringe a reação ao risco de perda de identidade cultural. Também tem de ser admitido que protecionismo e xenofobia reaparecem de tempos em tempos em algum canto do mundo ou em vários deles.

A novidade é que esta é a primeira vez em que tal reação acontece a partir das classes médias, as mesmas que as esquerdas preferem não levar em conta, baseadas no primarismo ideológico de que a pequena burguesia não tem voz própria, só reflete os interesses das classes dominantes.

Paradoxalmente, a maior parte desses movimentos defensivos acontece em reação ao crescimento das próprias classes médias em outros países, em especial na Ásia. O especialista Homi Kharas concluiu, em trabalho publicado em 2017 pelo Brookings Institute, que as novas classes médias crescem no mundo à proporção de 140 milhões de pessoas por ano, o que dá mais de três Argentinas por ano. E este é um elefante, ou vários deles, que incomodam muita gente.

Foi a ascensão das populações antes excluídas do mercado de trabalho e de consumo, principalmente na China, que acelerou a produção de mercadorias a custos mais baixos. A exportação dessas mercadorias mais baratas a países mais avançados provocou a migração de indústrias inteiras a outras paragens, que foram atrás de custos mais baixos de produção. E, em consequência disso, o impacto sobre o salário e o emprego nos países industrializados tem sido enorme.

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É por isso que faz sentido dizer que sempre que alguém compra um made in China está ajudando a dar emprego para um chinês e a desempregar um nacional. As massas do chamado Cinturão da Ferrugem nos Estados Unidos (Estados de Michigan, Pensilvânia, Ohio), que sofreram o impacto do aço muito mais barato produzido na China, se queixam de desamparo do Estado. Foram decisivos na eleição do presidente Donald Trump. Ou seja, o descontentamento dessas classes médias desencantadas ganhou impressionante força política. São essas mesmas camadas que vêm mudando o jogo político na União Europeia, na Europa Oriental e na Grã-Bretanha.

A sensação de insegurança em relação ao presente e ao futuro está sendo agravada pela intensificação do uso de tecnologia de informação e por novas arrumações do sistema produtivo, que também cortam custos e dispensam mão de obra. As relações de trabalho, tais como conhecidas até aqui, estão em rápida transformação, como esta Coluna comentou em outras oportunidades. Categorias inteiras estão ameaçadas ou já estão em declínio, como a dos comerciários, dos bancários, telefonistas, taxistas e gráficos. 

Além disso, na Europa industrializada, os Tesouros públicos estão esgotados e não dão mais conta do pagamento dos benefícios do estado de bem-estar social (seguro-desemprego, saúde e ensino básico, assistência social).

A sensação dessas classes médias é a de que estão metendo a mão no prato delas ou de que vêm sendo enxotadas da mesa. Daí as manifestações de revolta, especialmente as de natureza política.

Como o cão que morde o pau que lhe foi atirado em vez de atacar quem o atirou, essas massas não veem as coisas com clareza, mordem quem está mais perto. Quem optou pelo Brexit tem a sensação de que o resto da Europa lhe suga o sangue, e que livrar-se de Bruxelas lhes devolverá o futuro, seja ele o que for. Mas não são capazes de entender que aquilo que propõem não melhora sua vida. Os eleitores que optam por uma linha ultranacionalista e de repúdio aos imigrantes imaginam que um governo protecionista trará de volta as indústrias e lhes restituirá empregos, salários e benefícios.

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Novos tempos, nossos tempos. E é preciso entendê-los. E entender a velocidade sem precedentes em que essas coisas acontecem.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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