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Com relações estremecidas, França é o terceiro país que mais investe no Brasil

O comércio entre as duas nações envolveu quase US$ 4 bilhões de janeiro a agosto deste ano

Foto do author Lorenna Rodrigues
Por Fabrício de Castro e Lorenna Rodrigues (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA - As rusgas entre os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da França, Emmanuel Macron, podem colocar em risco um relacionamento de bilhões de dólares entre os dois países. Apenas no primeiro semestre deste ano a França foi responsável por investimentos diretos no setor produtivo brasileiro de R$ 2,4 bilhões, o terceiro país em volume de recursos , atrás de Estados Unidos e Países Baixos. 

Esses valores incluem aportes em que a empresa estrangeira passa a deter mais de 10% do controle de companhias que já estão no Brasil e investimentos na criação de novos negócios. Na quinta-feira, 5, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também se envolveu na polêmica, ao reconhecer que Bolsonaro chamou a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, de feia e concordou com a afirmação. “A mulher é feia mesmo”, disse. Mais tarde, em comunicado, o ministro pediu desculpas pela fala

Jair Bolsonaro ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, durante reunião paralela dos líderes do G20, sobre Economia Digital Foto: Fotos: Clauber Cleber Caetano/PR

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O comércio entre as duas nações envolveu quase US$ 4 bilhões de janeiro a agosto deste ano. A cifra de investimentos produtivos, contabilizada pelo Banco Central, já é quase o dobro do verificado em todo o ano de 2018, quando US$ 1,34 bilhão de aportes vieram da França para o Brasil. 

E esses valores podem ser ainda maiores, já que o BC, nos números mais recentes, considera apenas o país investidor imediato – aquele de onde vem o dinheiro antes de entrar no Brasil. Em operações de investimento direto, é bastante comum que os recursos saiam de um país qualquer – no caso, a França – e passe por outros países com vantagens tributárias antes de aportar definitivamente no Brasil.

“Ainda é muito cedo para avaliar as consequências da crise diplomática entre Brasil e França, mas ela pode afetar o investimento”, avalia o economista Davi Simão Silber, especialista em Economia Internacional e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Se uma empresa francesa tiver receio de ganhar o rótulo de que desrespeita o meio ambiente, ela pode desistir de vir para o Brasil”, alerta.

Retaliação

O risco de o Brasil perder negócios está ligado a sua imagem no exterior. As críticas contra a atuação do governo no combate aos incêndios na Amazônia acabaram amplificadas por declarações do próprio Bolsonaro.

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Em um dos episódios, o presidente postou em rede social comentário considerado desrespeitoso em relação à primeira dama francesa. Em outro episódio, chamou de “esmola” a ajuda de US$ 20 milhões oferecida pelo G-7 (grupo das sete maiores economias do mundo) para combater os incêndios na Amazônia. Em meio às críticas, culpou organizações não governamentais (ONGs) pelo fogo. 

Nas últimas semanas, ocorreram protestos em vários países, incluindo a França, e multinacionais começam a ensaiar boicotes a produtos brasileiros. A suíça Nestlé afirmou na semana passada que está revisando a compra de subprodutos de carne e cacau da região amazônica. 

A americana VF Corporation, dona das marcas de roupas Timberland e Vans, suspendeu a aquisição de couro do Brasil. 

Para piorar, países como França e Irlanda ameaçam votar contra o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Por trás disso estão, entre outros atores, os produtores agrícolas franceses, que temem a concorrência do agronegócio brasileiro.  

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“O consumidor lá fora dá muito valor para o meio ambiente. Então, a empresa não pode correr o risco de ter seu produto boicotado”, diz Simão Silber, da USP. Para ele, a postura adotada pelo governo Bolsonaro prejudica a imagem do País no exterior. “Infelizmente, o Brasil está aparecendo, embora não seja, como o grande vilão do meio ambiente do planeta. Quando na verdade o grande vilão é a China”, acrescenta.

Pelo lado brasileiro, o próprio Jair Bolsonaro anunciou que retaliaria os franceses: na semana passada, anunciou, em uma live no Facebook, que não usaria mais caneta BIC pela marca ser da França. A empresa, no entanto, produz 95% do que vende no Brasil no próprio país, gerando 1.000 empregos no país.

Comércio bilateral

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Enquanto figura entre os principais investidores no setor produtivo, a França ocupa um lugar de menor destaque na compra e venda de produtos para o Brasil.

Nos oito primeiros meses do ano, o Brasil exportou para a França US$ 1,693 bilhão. O país europeu é apenas o 21º no ranking de exportações, respondendo por 1,14% nas exportações totais do Brasil.

No caso das importações, foram US$ 2,245 bilhões no período, 1,92% das compras do exterior, o 12º país do qual o Brasil mais importa. A balança pende um pouco para o lado dos franceses e está deficitária em US$ 552,25 milhões neste ano.

Os franceses compram do Brasil principalmente produtos básicos (45,4% das exportações) e manufaturados (44,4%), como farelo de soja, minério de ferro, celulose, aviões, café, madeira e calçados. Já o Brasil importa basicamente produtos manufaturados (97,8% do total), principalmente inseticidas e herbicidas, medicamentos, produtos de perfumaria, peças e vinhos.

Para o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores Associados, a postura agressiva do Brasil em relação à França na questão da Amazônia faz parte de um contexto mais amplo, de beligerância entre os países.

“Estamos na era em que os países, em vez de se aproximarem, estão se afastando”, afirma Schneider, que cita como exemplo as manifestações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “O que mais acompanhamos é a guerra comercial com a China, mas Trump tem problemas com os mexicanos, com o Nafta, com os europeus, com todos os organismos multilaterais”, enumera.

De acordo com Schneider, o discurso ultranacionalista de Trump vem sendo replicado, em escala menor, em países como o Brasil. “Tudo isso vai contribuindo negativamente para a economia, para a geração de riqueza. A dimensão disso e o quão transitório vai ser, não sabemos.”

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