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Com valorização do dólar, produtores antecipam venda da soja

Para garantir receita, produtores aceleram negociações; alta da moeda e aperto no crédito, porém, retardam aquisição dos insumos

Foto do author Anna Carolina Papp
Por Anna Carolina Papp
Atualização:

O câmbio deve salvar a safra de soja mais uma vez. Apesar do recuo dos preços das commodities, a escalada do dólar beneficiou o produtor brasileiro e acelerou o ritmo das negociações do grão. Mais de 25% da safra 2015/2016, que começa a ser plantada no mês que vem, já foi vendida antecipadamente, ante 7% no mesmo período do ano passado.

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O objetivo é garantir receita, já que o custo de produção também encareceu e o futuro do dólar é uma incógnita para o mercado. Se o alto nível dos estoques mundiais e a desaceleração chinesa puxaram para baixo o preço do grão na Bolsa de Chicago, a disparada da moeda americana sustentou os preços em reais.

“O produtor brasileiro foi o único dos três grandes que, em agosto, está vendo o preço da soja em moeda local maior do que no mesmo período do ano passado”, diz Fabio Meneghin, analista da Agroconsult. “No Brasil, a soja está 9% mais alta do que na mesma época do ano passado. Já o produtor dos Estados Unidos vê a soja valendo 18% a menos, e o da Argentina, 19%", explica.

Mais de 25% da safra que começa a ser plantada em setembro já foi comercializada Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Com o dólar na casa dos R$ 3,40, como estava no início do mês, a soja da safra 2015/2016, que começa a ser plantada em setembro, deve render ao produtor em Sorriso (MT) cerca de R$ 665 por hectare. A margem é menor que a média da safra anterior, de R$ 749 por hectare, porém dois terços maior do que a rentabilidade que o produtor teria levando em conta o patamar do dólar em março.

Para pegar pegar carona nessa valorização, já que o custo de produção subiu em média 20% neste ano e o futuro do câmbio no ano que vem ainda é uma incógnita, os produtores têm vendido as projeções de safra 2015/2016 num ritmo mais acelerado. No início de agosto, a venda antecipada de soja no País já tinha atingido 25%, segundo a consultoria AgRural. No mesmo período do ano passado, a comercialização da safra seguinte tinha sido de apenas 7%. 

“A safra foi salva de uma desvalorização da soja pela taxa de câmbio, o que fez com que muitos produtores em Mato Grosso e mesmo no Sul do Brasil avançassem mais na comercialização da safra do ano que vem, fixando a soja em reais para entregar em março”, afirma Meneghin.

O objetivo é garantir receita, uma vez que a cotação da soja em dólar ainda pode cair, tanto pela perda de apetite da China, maior importador de soja, como pelo alto patamar dos estoques mundiais do grão. O último relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) surpreendeu o mercado ao elevar a projeção da safra do país no ciclo 2015/2016, para 106,58 milhões de toneladas. A previsão do órgão para os estoques mundiais é de 86,88 milhões de toneladas. 

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Insumos. Se a valorização do câmbio alivia as perdas da soja em dólar e garante receita, também penaliza o agricultor ao encarecer os insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, também cotados em moeda estrangeira. Normalmente, esses produtos são adquiridos durante a colheita da safra anterior, em meados de fevereiro e março, com o chamado crédito pré-custeio linha específica para a compra antecipada de insumos. Porém, devido à desaceleração econômica e ao ajuste fiscal, o Banco do Brasil, maior credor do agronegócio brasileiro, não ofereceu essa modalidade neste ano. 

"Tem bastante gente que ainda não comprou fertilizante ou está comprando só agora, já com um impacto complicado do câmbio, que encarece muito em reais os insumos", afirma Ricardo Tomczyk, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). "Com o arrocho no crédito e a demora na liquidação dos recursos, uma vez que não tivemos pré-custeio esse ano, toda a aquisição atrasou, jogando essa comercialização pra um câmbio mais alto e uma necessidade maior de alavancagem em reias para frente à aquisição dos mesmos produtos. O produtor poderia ter comprado insumos com o dólar de março."

Em Goiás, a aquisição dos insumos também anda a passos mais lentos nesta safra. "Cerca de 60% dos produtores ainda não compraram insumos. Com o dólar mais caro, já estão conscientes de que a receita vai cair em relação ao ano passado", diz Benjamin de Sousa Junior, diretor da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas (Andav) de Goiás. 

Mesmo com o lançamento do Plano Safra para o ciclo 2015/2016, em junho, muitos produtores têm reclamado de dificuldades para ter acesso ao crédito daí no atraso na compra dos insumos. Além de mais exigências para liberação e mais demora na análise do crédito rural, os juros também subiram. Segundo dados do Banco Central, em julho, as taxas médias para pessoa física subiram 44,64% em relação ao mesmo mês no ano passado de 5,6% para 8,1% ao ano. "O mercado andou sim, mas a questão do crédito ainda é um problema", diz Tomczyk.

'Até promoção de câmbio congelado as empresas estão fazendo'

Endrigo Dalcin, de 41 anos, ainda está cotando preço dos defensivos agrícolas, turbinados pela alta do dólar Foto: Arquivo pessoal

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A ausência do crédito de pré-custeio nesta safra bagunçou os planos e as contas até do produtor mais organizado. "Todo ano a gente fazia pré-custeio, comprava os nossos adubos e semente em março e abril", conta Endrigo Dalcin, produtor de soja em Nova Xavantina (MT). "Esse ano tudo fugiu do controle. Pelo atraso do plano e pela dificuldade economica do País, não pudemos comprar os nossos fertilizantes essa época", afirma.

Com a oferta de recursos do Plano Safra, Endrigo, que planta 4,5 mil hectares, já comprou os fertilizantes e as sementes para a próxima temporada mas ainda não fechou os defensivos agrícolas. "Por causa da questão do dólar, que disparou, ainda estou cotando. Esse atraso no pré-custeio vai gerar um forte aumento no custo de produção neste ano."

Com a valorização da moeda americana, o preço dos insumos cresceu até 30%. Para não perder mercado, empresas de adubos e defensivos, conta ele, têm feito uma série de promoções. "Até dólar diferenciado elas têm oferecido para a gente fechar, como dólar congelado a R$ 3 ou a R$ 3,10."

O plano do produtor é finaciar os defensivos com a receita da safrinha de milho, já em fase final da colheita. "Já vendi quase 70% da safrinha, que foi muito boa meste ano. E os preços do milho, por causa do câmbio, estão se mantendo razoavelmente altos."

De olho na valorização do dólar, Endrigo também acelerou o ritmo de venda antecipada da safra 2015/2016. "Já comercializamos 35% da nossa projeção de safra, bem mais que ano passado. A primeira venda saiu a R$ 59 a saca; a segunda, a R$ 67,50", diz. "Quero vender mais, chegar a 50%, até porque a gente está com o número da safra americana incerto, que pode vir maior do mercado espera, e não podemos ficar com esse risco na mão."

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