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Como Floyd Mayweather ajudou dois garotos de Miami a enriquecerem

Endossos de celebridades vêm ajudando startups a levantarem dinheiro no caso da chamada ICO ou oferta inicial de criptomoeda; mas nem sempre fica claro o que estão vendendo

Por Nathaniel Popper
Atualização:

SÃO FRANCISCO – Floyd Mayweather, talvez o maior boxeador da sua geração, não se mostra nem um pouco tímido ao usar a mídia social para mostrar a riqueza que lhe foi propiciada por anos de prêmios em lutas que venceu. No Facebook podemos encontrar vídeos em que ele aparece com uma coleção de notas de US$ 100 coladas no dorso. 

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Recentemente ele manifestou interesse por um novo tipo de moeda. Em setembro, exortou seus 13,5 milhões de seguidores no Facebook, não só uma, mas duas vezes, a adquirirem uma nova moeda virtual conhecida como Centra.

“Obtenha a sua antes que esgotem”, escreveu em cima de uma foto sua admirando os muitos cinturões que conquistou no decorrer dos anos. “Já tenho a minha e como sempre vou ganhar também com ela”.

Mayweather é uma das muitas celebridades que vêm endossando a chamada ICO -oferta inicial de criptomoeda, um método em moda, mas pouco regulamentado, de arrecadar financiamento em que os empreendedores vendem suas próprias moedas virtuais para investidores em todo o mundo.

 O endosso da moeda Centra pelo boxeador, junto com outro similar do rapper DJ Khalled, dão um ar de credibilidade a um projeto que, no final, é cercado de problemas, incluindo um diretor executivo que não parece ser uma pessoa real e um plano de negócios duvidoso que muda rapidamente.

Graças em parte aos endossos, em poucas semanas os fundadores da Centra levantaram mais de US$ 30 milhões junto a investidores em todo o mundo. A arrecadação de fundos terminou este mês, pouco antes de dois dos três cofundadores serem indiciados, acusados de perjúrio envolvendo a condução de um veículo embriagados.

Centra foi uma das 270 ICOs que levantaram mais de US$3,2 bilhões este ano, um salto de 3.000% em comparação com o total arrecadado no ano passado, segundo dados da Tokendata.io,que monitora as ofertas de moeda. Os investidores vêm se dispondo a desembolsar dinheiro de verdade por esses tokens virtuais porque esperam que seu valor dispare como ocorreu com as Bitcoins, a moeda digital mais conhecida, nos últimos meses.

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Mas a história da Centra indica que por trás dos sinais de aceitação generalizada, as ofertas de moeda ainda estão numa situação confusa do ponto de vista legal, não muito clara e com pouco escrutínio quanto às ambições dos jovens empreendedores.

“É inegável que o endosso de uma celebridade atrai um novo público para o mundo das criptomoedas”, disse Peter Van Valkenburgh, diretor de pesquisa da Coin Center, entidade sem fins lucrativos que apóia a Bitcoin e a tecnologia a ela ligada.

“Mas acho que os endossos de celebridades são de grande ajuda no sentido de despertar atenção para projetos dentro dos requisitos legais”.

A moeda virtual original, Bitcoin é um token digital – sem nenhum suporte físico -que pode ser enviado eletronicamente de um usuário para outro em qualquer parte do mundo. A rede na qual a Bitcoin é armazenada e transferida foi projetada para operar sem uma empresa ou governo responsável, regida por uma vasta colaboração de programadores voluntários e computadores que mantêm todos os registros.

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As ICOS se beneficiam da estrutura descentralizada da Bitcoin e outra rede de moeda virtual popular, a Ethereum. As pessoas pagam por tokens como Centra usando a Bitcoin ou Ether (moeda da rede Ethereum) e nenhuma autoridade financeira necessita aprovar os pagamentos ou mesmo saber que eles foram feitos.

Mas emboraa Bitcoin e Ethereun há anos sejam objeto de investigação e ainda alvo de muitas críticas, os novos tokens que vêm sendo vendidos nos últimos meses não foram testadose são comercializados com base nas promessas dos seus criadores.

Os criadores da Centra são amigos, com 26 anos de idade, e são do sul da Flórida, Sam Sharma e Raymond Trapani. O diretor de marketing da empresa, Robert Farkas, também recebeu o título de co-fundador. Antes da Centra, Sam e Raymond não tinham nenhuma experiência profissional na área de tecnologias associadas às moedas virtuais, ou com cartões de débito. Sua experiência foi com a Miami Exotics, empresa de aluguel de carros que fundaram. 

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“A falta de experiência não limitou as ambições dos fundadores da empresa. Em julho eles lançaram um website e postaram um anúncio descrevendo a Centra como uma resposta à proliferação das moedas virtuais.

“Centra tem uma solução brilhante, o primeiro cartão de débito do mundo desenhado para ser compatível com oito ou mais ativos da Blockchain ( sistema de registros garantindo a segurança das operações com criptomoedas)”, dizia o anúncio.

Mas ocorreu um problema. A empresa não teve aprovação, nem mesmo requereu, para gerir um cartão Centra na rede Visa, segundo um porta-voz da instituição. Depois de o The New York Times contatar a Visa este mês, a companhia retirou todas as menções ao cartão do seu website.Sharma disse que a estratégia foi mudada e pretendia colocar seus cartões na rede Mastercard em parceria com uma instituição financeira canadense. Mas Brian Gendron, porta-voz da Mastercard,contestou. 

Como a Centra começou a levantar fundos sem passar por nenhuma averiguação padrão, ninguém verificou as credenciais da companhia junto às redes de cartão de crédito ou outras autoridades pertinentes. E uma análise básica dos antecedentes de Sharma revelaria seus inúmeros conflitos com a lei.

Ele foi processado várias vezes na Flórida e em Nova York por falta de pagamento de contas e acordos comerciais que fracassaram.

Duas pessoas o processaram judicialmente por tentar vender ou alugar fraudulentamente carros que não possuía e por duas vezes foi despejado por falta de pagamento do aluguel. Segundo o proprietário do imóvel “ele ficou até o dia em que a polícia chegou. Foi uma situação estranha e perdemos muito dinheiro”. Sharma disse que as declarações do proprietário não “eram acuradas”.

No momento o maior problema que Sharma e Trapani enfrentam é um indiciamento por perjúrio num tribunal em Manhattan. As acusações se referem a um incidente ocorrido no ano passado quando eles foram presos conduzindo uma Maserati branca. Segundo notícias, Sam Sharma ultrapassou no sinal vermelho e “tinha o rosto enrubescido e exalava um forte odor de álcool, os olhos vermelhos e não conseguia se equilibrar”. Os dois disseram durante o julgamento que Sam havia tomado apenas uma Sprite e uma taça de vinho tinto. 

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Segundo a acusação ambos sabiam que estavam prestando uma declaração falsa.

Sam disse que o caso não afetaria a Centra. “Claro que não estou tranqüilo com essa situação. Mas não é uma coisa tão insana com a qual os investidores devem se preocupar”, afirmou. 

Ambos declararam que seus planos prosseguiriam, incluindo outros projetos com Mayweather. Trapani disse que o boxeador estava tão empolgado com a tecnologia da Centra que queria ser pago em tokens da empresa e gostaria de ser sócio em futuros empreendimentos. 

 Mas a porta-voz do boxeador disse que ele foi pago com dinheiro vivo pelas postagens e não tinha nenhuma relação contínua com a Centra. 

Os órgãos fiscalizadores vêm demorando para agir no caso dessas ofertas de moeda problemáticas. Mas a Comissão de Valores Mobiliários recentemente iniciou sua primeira ação contra o que chamou de projeto fraudulento, um projeto relativamente pequeno que arrecadou algumas centenas de milhares de dólares.

No momento Sharma e Trapani têm em mãos US$ 30 milhões que lhes foram ofertados por investidores.

Supondo que os órgãos de fiscalização não intervenham, Trapani e Sharma podem ficar com o dinheiro, mesmo que não criem nada. Mas segundo eles não é o que vai ocorrer. Sharma disse que planeja emitir seu primeiro lote de cartões de débito este ano, independente das negativas da Visa e Mastercard. E que deve anunciar sua tecnologia mais abrangente em novembro. E os dois já alugaram um suntuoso espaçoem Miami Beach e contrataram vários funcionários. //Tradução de Terezinha Martino 

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