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Conar vai julgar histórias inventadas por marcas Do Bem e Diletto

Campanhas com falsas histórias são usadas para promover marcas

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Por Fernando Scheller
Atualização:
Avô italiano de Scabin, da Diletto, é inventado Foto: Lawrence Bodnar/Estadão

O recurso que tenta criar uma história fictícia para apresentar uma empresa não é exatamente novo, mas a tendência do storytelling - ou narrativas de marca - colocou o tema novamente no centro das discussões da publicidade. Duas empresas que ganharam força nos últimos anos justamente com histórias bem contadas - a marca de sucos Do Bem e a linha de sorvetes Diletto - serão alvo de julgamento do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que questiona a veracidade das informações divulgadas.

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No caso da Diletto, um dos sócios da empresa, Leandro Scabin, contou durante anos a história de que o negócio recria versões das receitas de seu avô, Vittorio Scabin, um italiano que fazia sorvetes no início do século 20. Além de estar disponível no site da companhia, a trajetória do "nonno Vittorio" foi reproduzida por vários jornais e revistas. Na verdade, o vovô saiu da imaginação de outro sócio da empresa, Fabio Meneghini, ex-publicitário que por anos trabalhou na WMcCann.

Já a Do Bem, que vende sucos acima da média de preço de mercado, afirma em suas embalagens que as laranjas de seus produtos são colhidas na "fazenda do seu Francisco". Na verdade, porém, os sucos da empresa são processados em grandes fábricas, que também produzem para outras marcas.

A denúncia que levou o Conar a apurar o caso foi apresentada por uma consumidora que leu reportagem da revista Exame, que revelou os elementos de ficção por trás das histórias das duas marcas.

Colega de longa data de Meneghini, o publicitário Washington Olivetto não vê problema com a "lenda" do vovô Vittorio criada pela Diletto. "Não é uma história que altera a qualidade do produto", diz Olivetto. "A Häagen Dazs, uma empresa americana, durante anos se vendeu como um sorvete nórdico."

Embora tenha passado a admitir que o personagem é inventado, a Diletto ressaltou, em nota, que a história fictícia não afeta em nada a qualidade de seus produtos. "Nosso limão é siciliano, nosso coco vem da Malásia, nossa vanilla (baunilha) vem de Madagascar, (...) nosso doce de leite vem da Argentina e os nossos palitos são da França", afirma a marca de sorvetes.

Já a Do Bem diz, também em nota, que os personagens listados em suas embalagens são reais. No entanto, a empresa afirma que o crescimento da companhia exigiu que seu produto fosse processado em fábricas maiores, incluindo a Brasil Citrus, que produz para marcas próprias de supermercados. A empresa diz já ter preparado uma explicação para o julgamento do Conar.

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Limites.

Criado em 1978, o Conar não tem poder de retirar do ar propagandas que firam os regulamentos criados pelas próprias agências e anunciantes, mas pode recomendar alterações em seu conteúdo. No caso das duas empresas, as embalagens e as informações nos sites serão consideradas peças publicitárias pela entidade.

Criar histórias que não se sustentam na realidade é um caminho perigoso para as narrativas de marca, afirma Patricia Weiss, da agência Asas da Imaginação. A publicitária, que foi jurada de Branded Content & Entertainment no Cannes Lions - Festival Internacional de Publicidade, afirma que as histórias devem ter um propósito humano. A campanha Retratos da Beleza Real, criada pela Ogilvy para a Dove, é um caso de storytelling, segundo ela. "A empresa se apropriou de um problema humano, que é a questão da beleza, em vez de falar só de si mesma."

Exageros. Entre 2008 e 2009, a marca Kellogg, famosa pelos cereais matinais, já promoveu em suas embalagens que seus produtos ajudavam crianças a serem mais atentas e também aumentavam a imunidade dos pequenos - a Justiça mandou que as informações fossem retiradas das caixas, informa o site americano 'Business Insider'. A Nutella dizia que o produto tornava o café da manhã mais nutritivo. Um juiz decidiu que os consumidores que compraram o produto entre 2008 e 2012, período em que a embalagem com a informação ficou nas gôndolas, teriam direito a um reembolso de US$ 20.
Ainda segundo o site, a dona dos tênis Sketchers (que prometiam acelerar a queima de calorias de exercícios) foi condenada a pagar uma indenização de US$ 40 milhões porque, no fim das contas, o efeito do produto era zero.

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