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Concepções, crenças e o mundo real

Por ANTÔNIO M. BUAINAIN e JOSÉ M. DA SILVEIRA
Atualização:

Seria salutar, em conjuntura eleitoral, o debate entre correntes divergentes do pensamento econômico com o objetivo de melhorar o entendimento das transformações da sociedade brasileira e propor formas de atuação na política que sejam mais próximas à complexidade do mundo real. A recente polêmica entre um assessor de Marina Silva e um grupo de professores da Unicamp revela os termos pobres dos debates em curso, marcados por rotulagens vazias, mas com forte efeito midiático, e por uma polarização que reduz o mundo ao branco e preto. De um lado, a acusação genérica e gratuita de que o pensamento do Instituto de Economia (IE) da Unicamp seria fruto da ditadura, desconsiderando o papel da instituição na crítica à política econômica daquele período e na reorganização democrática do País. De outro, a resposta comedida dada por alguns professores, que evocou a intolerância do liberalismo com quaisquer ideias divergentes dos manuais, mas acabou ecoando o velho debate entre liberais e intervencionistas, ortodoxos e heterodoxos, cada um com suas fórmulas salvadoras da Pátria. Uns cantam a ladainha da ação reguladora das forças de mercado e do ajuste fiscal, e, depois de anos justificando juros astronômicos, "inovam" o discurso com a tecla da confiança nas regras do jogo. Outros manifestam a fé no gasto público como gerador da demanda e no governo como disciplinador dos contratos e promotor de política ativa de crédito, e, depois de anos justificando um Estado inchado e ineficiente, introduzem, também como "novidade", as políticas seletivas que elegem "ganhadores" (que continuam perdendo) com base em diagnósticos setoriais acurados. E por fora estão os grupos de interesse organizados e seus representantes na política, que, pragmaticamente, sancionam e avaliam as concepções pela serventia que têm na defesa dos seus interesses particulares e que os beneficiam de imediato, sem preocupação com o longo prazo e com olímpico desprezo pelo bem comum. Será que esses posicionamentos genéricos dão conta da realidade atual? O mercado "livre" tem o poder de excluir os menos eficientes, mas não assegura o desenvolvimento e muito menos os interesses da maioria da população. Teoremas de bem-estar baseados num mundinho simplificado, não na realidade cheia de falhas de mercado e, principalmente, repleta de instituições de todos os tipos e formas, algumas obsoletas, são úteis, mas não explicam o funcionamento da economia contemporânea, em que qualquer transação relevante passa por fortes filtros institucionais e decisões governamentais. Por outro lado, temos visto que a ação do Estado, baseada em interpretações tão distantes da realidade quanto as abstrações liberais, tampouco dão conta do recado, e ainda conseguem desorganizar áreas que funcionavam até bem, mas que precisavam de ajustes, como o setor de energia no Brasil. O fato é que um mundo de interação permanente entre a boa intenção e o demônio, que mora nos detalhes (vale lembrar a Lei de Licitações), não pode ser governado por slogans como "regras claras são necessárias", "é preciso despertar o sentimento de amor ao risco empreendedor" e "deixem o mercado funcionar" nem pela matriz dualista que marca o debate econômico brasileiro, como se a rota do desenvolvimento fosse um monotrilho, e não uma autopista (ou trilha) em que se pode transitar em várias faixas. A dualidade marca as discussões no Brasil: conservação x desenvolvimento no Código Florestal; confronto entre pré-sal e bioenergia; desindustrialização x reprimarização; redistribuição x arrocho salarial; disciplina fiscal x gastança; agronegócio x agricultura familiar; esquerda e direita; bons e maus. Todos polos de falsos dilemas. Esse debate não responde à dura realidade de um país que se distancia dos indicadores reais de desenvolvimento. É preciso alertar que a complexidade a todos engole e que o "realismo" das práticas e os esquemas do pensamento dual não funcionam mais. Ou desvendamos o enigma da realidade ou ela continuará engolindo o desenvolvimento do País.* São professores do IE da Unicamp

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