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Economia e políticas públicas

Opinião|Confiança depende do fiscal e busca é pelo ajuste mais eficaz, diz Nelson Barbosa

Segundo o ministro do Planejamento, previsão de um déficit no Orçamento de 2016 não significa abrandamento da disposição de restabelecer a solidez das contas públicas

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, se diz plenamente consciente da gravidade da situação fiscal do Brasil. O envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2016 com previsão de um déficit de R$ 30,5 bilhões do governo federal, equivalente a 0,5% do PIB, não significa para ele nenhum abrandamento da disposição de restabelecer a solidez das contas públicas no Brasil. Para Barbosa, que conversou com a Agência Estado, este é um pilar indispensável para recolocar a economia brasileira numa trajetória de crescimento sustentável de médio e longo prazo. O PLOA com déficit tampouco é tentativa de jogar a responsabilidade do ajuste nas costas do Congresso.

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Barbosa está totalmente convicto - assim como seu colega de equipe econômica, o ministro da Fazenda Joaquim Levy - de que o Legislativo é peça indispensável do ajuste fiscal estrutural de que o Brasil necessita. Mas a visão é de que a cooperação de Executivo e Congresso é um objetivo a ser conquistado com o fortalecimento da confiança mútua e muito trabalho de negociação e convencimento. Tentar construir esta relação na base de um jogo de empurra-empurra de responsabilidades seria obviamente contraprodutivo.

Assim, as razões alegadas por Barbosa para o polêmico PLOA são realismo e a visão de que, por mais difícil que seja a situação fiscal no momento, ela deve ser enfrentada com serenidade e foco em obter melhoras consistentes e robustas na perspectiva das contas públicas no médio e longo prazo, sem prejuízo de reforçar o ajuste fiscal de curto prazo, se isto for factível e benéfico.

Há vários ajustes ocorrendo simultaneamente na economia brasileira, e Barbosa nota que todos eles são extremamente duros e foram endossados e conduzidos com grande firmeza pela nova equipe econômica da presidente Dilma Rousseff. Assim, preços administrados foram corrigidos, subsídios cortados, programas reduzidos ou enxugados em relação à previsão original de expansão e os juros foram fortemente aumentados. Mudança estruturais restritivas foram introduzidas no seguro-desemprego, pensões por morte, abono salarial e auxílio-doença. Com a reforma de benefícios do FAT (abono e seguro-desemprego), a economia fiscal é estimada em R$ 15,7 bilhões em 2015 e R$ 15 bilhões em 2016, equivalente em média a mais de 2% do PIB ao ano. Um acordo está sendo fechado com o funcionalismo, com ajuste médio baseado na inflação esperada, e não na inflação passada.

PLOA não é um documento final, diz Barbosa Foto: Dida Sampaio/Estadão

Dos três principais componentes do ajuste, dois caminham bem: a inflação deve ter grande queda em 2016 e o déficit externo, com a forte desvalorização do câmbio, tem dado sinais de redução consistente. O problema é que um dos principais fatores que está acelerando estes dois ajustes, a queda bem mais forte do PIB do que o previsto, atrapalha o terceiro componente, que é o mais difícil e importante - a correção fiscal. Barbosa diz que uma piora acima do antecipado do cenário externo e os efeitos econômicos da operação Lava Jato explicam boa parte da surpresa negativa do PIB em relação às projeções que governo e mercado faziam no final de 2014.

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As despesas discricionárias estão previstas no PLOA para atingirem R$ 250 bilhões em 2016. Em 2015, elas devem ficar em R$ 234 bilhões, depois de sofrerem uma queda real de 17% em relação a 2014. Em termos de porcentual do PIB, a previsão é de que as despesas discricionárias do governo federal fiquem em 4% neste ano e no próximo, recuando do nível de 4,7% de 2014. O valor previsto para 2016 é inferior em termos nominais ao de 2014 (R$ 259 bilhões) e, em termos reais, inferior ao de 2012.

O ministro do Planejamento diz que a diretriz por trás dos gastos discricionários no PLOA é a de "pagar os restos a pagar, completar o que está em andamento nos programas e não começar mais nada se não tiver dinheiro". Segundo Barbosa, as despesas já foram reduzidas ao mínimo necessário para cumprir os compromissos do governo e garantir a continuação dos principais programas, mesmo numa escala menor. Ele observa que recursos do governo federal são empregados em atividades muito importantes da vida social cotidiana, como universidades e hospitais universitários.

CPMF  Mas o ministro acrescenta que "ninguém está satisfeito ou confortável com o déficit - continuamos a trabalhar para melhorar a situação fiscal do Brasil, o que envolve também ações sobre o gasto obrigatório, que consistem em mudanças legais ou na Constituição e não são automáticas, têm que ser estudadas e enviadas ao Congresso".

Barbosa diz ainda que "o PLOA não é um documento final; vai ser analisado pelo Congresso e é natural que, ao longo desta tramitação, seja atualizado de acordo com a evolução das previsões sobre a economia e a adoção de novas medidas por parte do governo".

Em relação à CPMF, ele aponta que é uma alternativa técnica que já vinha em discussão no Congresso e em outros círculos, inclusive fora do Executivo. A equipe econômica analisou a questão e acabou resolvendo não propor a CPMF no PLOA por razões tanto políticas quanto econômicas.

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Mas continuam sendo analisadas alternativas para melhorar a situação fiscal mais a curto prazo, sejam novas fontes de receita - como mencionado pela própria presidente Dilma Rousseff -, seja no processo permanente de busca de economias fiscais e melhoras no controle e no gerenciamento do gasto.

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Barbosa deixa claro que considera o ajuste fiscal fundamental para restabelecer a confiança dos agentes econômicos, cuja acentuada queda está por trás da retração dos investimentos e da contração do PIB. Passa muito longe dele a ideia caricaturalmente keynesiana de que a economia brasileira possa ser relançada por estímulos à demanda, quando a sustentabilidade fiscal atravessa um momento tão delicado.

A questão é achar o receituário ideal que combine ajuste fiscal de curto prazo e estrutural para resgatar a confiança neste momento difícil. A reflexão na equipe econômica, no tocante a medidas fiscais de curto prazo como aumento de impostos e mais enxugamento de despesas, é sobre o trade-off entre ganho adicional de confiança e impulso fiscal negativo adicional num momento em que a economia já está bastante combalida.

"Não há nenhuma discussão sobre impulso fiscal positivo, a discussão é sobre a intensidade do impulso fiscal negativo", diz Barbosa.

Previdência  Evidentemente, ele aponta, medidas de ajuste estrutural têm a vantagem de reunir efeitos possivelmente ainda maiores de confiança com quase nenhum impacto negativo adicional na demanda. "Medidas conjunturais tendem a ser soluções temporárias, enquanto medidas estruturais têm efeitos mais duradouros e permanentes", acrescenta o ministro, que, porém, não descarta a princípio diferentes combinações entre as duas vertentes de esforço fiscal.

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Barbosa nota que aproximadamente dois terços do gasto federal é com Previdência (cerca de 45%, incluindo o LOAS) e funcionalismo (em torno de 21%). Aí reside, portanto, o cerne da questão estrutural. Na Previdência, o que se pretende é apresentar proposta para adequar as aposentadorias por tempo de contribuição e por idade à nova realidade demográfica do País.

Segundo o ministro, os efeitos de mudanças desse tipo, de implementação gradativa, são pequenos de início, mas se tornam poderosos à medida que o tempo avança. Na seara do funcionalismo, a ideia é adotar medidas para controlar a evolução da folha de pagamentos. Além disso, existe o trabalho permanente de corrigir questões como, por exemplo, o crescimento de determinados benefícios acima do que seria justificável por critérios técnicos, o que muitas vezes ocorre por falhas de gestão.

Há um intenso trabalho na agenda estrutural, e Barbosa prefere não revelar detalhes de propostas que ainda estão sendo desenvolvidas. Mas ele crê que é fundamental enfrentar o desafio de restaurar a solidez fiscal numa perspectiva permanente de longo prazo, como arma para resgatar a confiança na economia brasileira. 

Opinião por Fernando Dantas
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