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Conflitos jurídicos e crise econômica

Crise traz sérias dificuldades para o cumprimento de contratos firmados no ambiente de negócios anteriormente

Por Ernesto Moreira Guedes Filho
Atualização:

A atual crise econômica traz sérias dificuldades para o cumprimento de contratos firmados no ambiente de negócios anteriormente. A crise impõe uma nova realidade que pode inviabilizar economicamente o que foi contratado, forçando uma renegociação ou se transformando em conflitos nos tribunais. Esses conflitos vão gerar contingências difíceis de estimar, que travarão investimentos e prejudicarão o ambiente de negócios nos próximos anos, criando uma incerteza jurídica que afasta investidores. O aumento de custos e ineficiências decorrentes dessa situação ajudam a retardar a retomada da economia e a tornar seu crescimento menor.

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Embora a crise acarrete queda de demanda em quase todas as atividades, uma das mais notáveis exceções refere-se às demandas por soluções de conflitos. Empresas que planejavam construir ou ampliar novas fábricas cancelam seus projetos. Contratos de compra de energia ou de matérias-primas deixam de fazer sentido, pois a quantidade contratada deixa de ser necessária. Pagamentos de dívidas atrasam ou não podem ser honrados, pois as receitas que permitiriam saldá-los não ocorrem. Essa situação implica tanto maior renegociação de contratos como um maior número de conflitos envolvendo disputas judiciais e arbitrais, entre empresas, entre sócios de uma mesma empresa ou entre o setor público e a iniciativa privada.

Um exemplo dessas consequências é dado pela situação extrema de inviabilidade do cumprimento de contratos que ocorre nas recuperações judiciais. O Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações mostra que em 2014 houve 828 pedidos de recuperação judicial; em 2015, foram 1.287, com crescimento de 55,4%. Já em 2016, apenas nos 7 primeiros meses, foram 1.098, com alta de 75% sobre os 627 pedidos no mesmo período em 2015 ou, mais impressionante ainda, um crescimento de 131% sobre os 476 casos de janeiro a julho de 2014. Os casos gigantescos da Sete Brasil e da Oi, ambos em 2016, indicam que o crescimento dos montantes envolvidos deve ter sido ainda maior.

Não temos dados sobre renegociação de contratos privados, mas a inquietação e a procura cada vez mais frequentes de soluções para problemas econômicos, incluindo a demonstração dos desequilíbrios sofridos, indicam que o problema cresceu muito nos últimos meses. A renegociação contratual é apenas o primeiro passo de um processo que pode evoluir para um contencioso judicial ou arbitral. Também não temos estatísticas representativas, mas os números de algumas das principais câmaras mostram que em 2015 houve crescimento expressivo, da ordem de 10% a 15%, do número de arbitragens requeridas.

Os contenciosos administrativos também devem crescer. No que tange ao pagamento de tributos, de um lado, as empresas têm maior incentivo para questionar as cobranças e, de outro, os governos buscam compensar a queda de arrecadação com maior número de autuações. Para os setores regulados, os questionamentos sobre regras e compromissos assumidos também se acentuam, seja pela inviabilidade de serem cumpridos na crise, seja pela simples incoerência econômica em sua determinação que, agora, ficou evidente. A enorme quantidade de medidas equivocadas, com sua lógica econômica frágil, que foram adotadas no governo passado constitui um fator adicional multiplicador de conflitos.

Tendo em vista as perspectivas para os próximos anos, o ambiente de negócios conflituoso deve seguir se agravando. A impossibilidade de uma parte cumprir um acordo pode impedir a contraparte de cumprir outros contratos, propagando problemas e inviabilidades em cadeia. O questionamento de uma medida administrativa na Justiça, antes cogitado, pode se tornar imperioso. Assim, da mesma forma que o desemprego responde de modo defasado ao ciclo econômico e deve continuar aumentando, podemos esperar uma intensificação e crescimento do número de conflitos e contenciosos entre empresas e de recuperações judiciais e falências.

*Economista, sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada

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