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Confusão marcou estratégia do governo no projeto da dívida dos Estados

Votação teve muita pressão da base aliada e aval de Temer às mudanças

Por Idiana Tomazelli , Igor Gadelha , Carla Araujo e Tania Monteiro
Atualização:

BRASÍLIA - Até consentir na retirada do “inegociável” artigo proibindo reajustes salariais acima da inflação nas administrações estaduais, o governo federal emitiu sinais desencontrados e expôs estratégia confusa e sem afinação. O resultado foi a interferência direta e de última hora do presidente em exercício, Michel Temer, que concordou em voltar atrás em relação às exigências do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mesmo assim, a votação do projeto de repactuação da dívida dos Estados não passou do primeiro passo, a aprovação do texto-base.

Pouco depois das 21h de terça-feira, o relator do projeto, deputado Esperidião Amin (PP-SC), caminhava por uma área reservada da Câmara, conversando ao celular com Temer. Fazia o relato de que, sem a retirada da exigência, a tendência era o projeto não passar. Quase ao mesmo tempo, em outra área, o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), conversava com Meirelles fazendo basicamente a mesma avaliação.

Temer concordou em voltar atrás sobre exigências de Meirelles Foto: AFP

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A base aliada aproveitou a interinidade do governo para aumentar a pressão e arrancar mais concessões. Encorajados pela proximidade das eleições, parlamentares argumentaram que seria difícil justificar um veto a reajuste durante a campanha. Confrontaram o governo e ameaçaram com a derrota.

Contra a parede, Temer deu aval à mudança. Ao desligar o telefone, Amin foi diretamente para a Câmara e anunciou a mudança. Enquanto isso, Temer ligou para seu ministro e, em longa conversa, justificou a decisão.

Idas e vindas. O acordo com os Estados havia sido fechado em 20 de junho, mas sua tramitação no Legislativo pouco andou até início de agosto, quando o Congresso retomou os trabalhos após o recesso. Então, em apenas dois dias, líderes da base e da oposição conseguiram desidratar o projeto.

No desenho inicial, a previsão era que, para terem acesso a condições mais vantajosas de pagamento da dívida com a União, os Estados teriam de firmar cinco compromissos. No dia 2 de agosto, nova versão articulada por parlamentares da base mantinha apenas o teto de gastos.

A movimentação acendeu o alerta na Fazenda, que convocou entrevista coletiva às pressas. Tudo para que Meirelles pudesse destacar que o teto de gastos era a contrapartida essencial; as demais, “de segunda importância”. A tentativa de minimizar o que se desenhava como derrota foi mal recebida por analistas e pelos gestores nos Estados, que contavam com as ferramentas para poder cumprir o ajuste fiscal prometido à União.

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Diante da repercussão negativa, o ministro voltou atrás dois dias depois e disse que as duas contrapartidas, o teto de gastos e a restrição aos reajustes, não eram objeto de negociação. A declaração gerou reação imediata de Amin, que advertiu ao governo sobre o provável “gol contra” na questão dos aumentos.

Em meio aos embates públicos, Temer reuniu Meirelles, Amin, Rodrigo Maia e outros representantes do governo em almoço no Planalto na segunda-feira para tentar alinhar o discurso. Meirelles saiu seguro de que as duas contrapartidas “inegociáveis” estavam mantidas e convocou nova entrevista.

Faltou ao governo, porém, convencer os deputados da base, que retomaram nos bastidores as tentativas de derrubar o veto a reajustes. O deputado Rogério Rosso (PSD-DF) apresentou emenda para tentar suprimir o trecho do projeto.

Ao longo do dia da votação, as mensagens que vinham de gabinetes no Planalto eram de que o governo havia conseguido convencer Rosso a retirar a emenda, o que não se confirmou. Em vez disso, o deputado deu o recado: a derrota do governo era certa, pois ele contava com o apoio de outros parlamentares da base e também da atual oposição.

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A própria secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, foi à Câmara à noite para conversar com deputados. Na Fazenda, não havia posição oficial, mas cogitava-se derrubar no Senado as eventuais mudanças feitas pela Câmara – o que parecia um contrassenso, pois o projeto teve origem na Câmara e para lá voltará se o Senado mudar o texto.

Quando Amin procurou Temer para a sentença, a rebelião dos deputados havia ganhado força e já mirava a outra contrapartida, do teto de gastos, crucial para não criar a imagem de que o acordo, que custará R$ 50 bilhões aos cofres da União em três anos, não passaria de benesse aos Estados. A ameaça tomou outras proporções.

“O presidente tinha de fazer uma escolha. A votação de fato correu risco”, disse a secretária de Fazenda, Ana Carla Abrão, que também falou com deputados para tentar demovê-los de retirar a cláusula do reajuste. Antes da conversa de Amin e Temer, um interlocutor disse que o governo admitia preferir ser derrotado na Câmara a mudar o projeto e contrariar Meirelles. Temer chegou a chamar o ministro antes da votação e sinalizou que o governo “está ao seu lado” e “não o deixará ser derrotado sozinho”. O risco de que o projeto inteiro fosse rejeitado, porém, abriu a porta para mais uma concessão. 

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