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Convém ter prudência

O argumento principal apresentado pelos defensores da redução da meta da inflação é o de que ela seria elevada para o Brasil

Por Antonio Corrêa De Lacerda
Atualização:

É peculiar o momento em que cresce o debate sobre metas de inflação no Brasil. A inflação oficial medida pelo IPCA caiu de 10,7% em 2015 para 6,3% em 2016, e são esperados 4,0% em 2017 (projeção do Boletim Focus de 5/5). Essa importante queda tem dado munição ao discurso oficial e de parte do mercado financeiro favorável à redução da meta de inflação. A contradição está em imputar toda a redução da taxa de inflação ao que seria um êxito da política monetária. Na verdade, três aspectos, além da política monetária ou de juros, explicam a inflação corrente mais baixa: a recessão, a valorização do real e o efeito da safra agrícola. O argumento principal geralmente apresentado pelos defensores da redução da meta é o de que ela seria elevada para o Brasil. Os que o fazem geralmente levam em consideração a comparação com outros países que adotam o Regime de Metas de Inflação (RGI). De fato, México, Colômbia e Chile têm uma meta de 3% ao ano; a Tailândia, de 2,5%; e no Peru e na Nova Zelândia ela é de 2%. A exceção é a Turquia, cuja meta é de 5%, mais próxima da brasileira. Porém o mais adequado seria comparar a inflação média corrente no Brasil com países cujas estruturas, como extensão territorial e PIB, fossem minimamente semelhantes à nossa, de grande diversidade regional e de renda, independentemente de adotarem ou não o RGI. A Rússia, por exemplo, teve inflação de 5,3% em 2016 e a África do Sul, de 7,0%, o que mostra que o fenômeno aflige países em transição e tem particularidades específicas, não carecendo de generalizações ou diagnósticos superficiais. Interessante, ainda, observar a demora do início da redução da taxa Selic pelo Banco Central e seu ritmo conservador de queda, a despeito da velocidade da redução da inflação. Ou seja, a taxa real de juros brasileira continua imbatível no ranking mundial, de longe a mais alta, bem distante da média internacional. Mesmo com as projeções de que a Selic possa ser reduzida a 8,5% até o fim do ano, ainda permaneceremos no topo da maior taxa real de juros, entre 4% e 5% ao ano. Assim, é inadequado argumentar que diante do novo quadro é possível, ou viável, reduzir a meta de inflação, cujo centro é hoje de 4,5%, já que a redução inflacionária observada atualmente no Brasil é fruto de fatores circunstanciais e a um custo econômico e social enorme. Estamos longe de um “novo normal” na inflação, mas, sim, sentindo o efeito da maior crise de nossa história, além de fatores circunstanciais como a valorização do real e a safra agrícola. Como não queremos recessão permanente nem valorização artificial da moeda e tampouco podemos contar sempre com fatores climáticos favoráveis, conviria maior prudência! No mundo em desenvolvimento há componentes estruturais na inflação, muito relacionada às transformações demográficas, urbanização, mobilidade social e mudança de padrões de consumo, entre outros aspectos. São fatores que implicam o encarecimento dos alimentos, o custo da mão de obra e, consequentemente, dos serviços. Mas isso não é motivo para a prática de taxas de juros reais tão elevadas quanto as nossas. Além dessas questões, temos características específicas do nosso sistema de formação de preços que são fomentadoras e mantenedoras da inflação, como a indexação, que tende a disseminar os choques localizados de preços. Mais do que antecipar uma redução da meta de inflação, o que, em razão das condições atuais, só faria elevar as taxas de juros, travar o mercado de crédito e transferir ainda mais renda para os credores da dívida pública, é preciso aprofundar a discussão dos aspectos estruturais envolvidos na questão. *ECONOMISTA, DOUTOR PELO IE UNICAMP, É PROFESSOR-DOUTOR E COORDENADOR DO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA DA PUC-SP E-MAIL: ACLACERDA@ACLACERDA.COM