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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Criminalização do caixa 2

Prática pode significar muita coisa e nem sempre envolve corrupção; à coluna, ministro Gilmar Mendes diz que sistema eleitoral faz Caixa 2 prevalecer

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Atualização:

O caixa 2 é velho de guerra. Mas foi em 2005, quando das denúncias do então deputado Roberto Jefferson à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Mensalão que o assunto saiu da penumbra e ficou zanzando por aí, à procura de uma solução.

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O tratamento dado a recursos não declarados passou a integrar inúmeras propostas sobre financiamento de campanha eleitoral.

Uma dessas propostas com maior destaque é a do Projeto de Lei 4.850/2016. Ele reúne as Dez Medidas Anticorrupção apresentadas ao Congresso pelo Ministério Público Federal, que chegaram com o reforço recorde de 2,7 milhões de assinaturas. Um dos seus artigos prevê a criminalização do caixa 2 no Código Penal.

O problema é o sistema, diz Gilmar Mendes Foto: André Dusek/Estadão

Caixa 2 pode ser muita coisa e nem sempre envolve corrupção. Quando um cliente paga “por fora” seu dentista ou seu advogado, está operando um caixa 2 com recursos que podem ser lícitos, mas, se não forem apontados à Receita Federal, caracterizam sonegação. O mesmo tratamento deve merecer uma empresa que recebe ou paga “por fora”, ainda que seja com recursos contabilizados, que também não tenham a ver com corrupção.

Mas, se dinheiro do caixa 2 vai irrigar a campanha de um candidato a cargo político, aí entra o peso da legislação eleitoral. Candidato ou partido que deixam de contabilizar recursos na prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cometem crime, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, e seus responsáveis estão sujeitos a até cinco anos de prisão e pagamento de multa.

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Mas o rigor da lei não está inibindo a prática: “A fraude no manejo de recursos eleitorais permanece num limbo judicial. Até hoje, a criminalização não foi executada e o caixa 2 continua correndo à mão-cheia. Nessas condições, é preciso mais rigor e adoção de mecanismos anticorrupção mais eficazes, como o das Dez Medidas”, argumenta o procurador regional da República em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

A proposta de criminalização do caixa 2, que faz parte do projeto que envolve as Dez Medidas Anticorrupção, está sendo atacada por políticos. Há os que sugerem que se diferencie claramente propina e caixa 2. Além disso, já circula no Congresso anteprojeto destinado a anistiar envolvidos com prática de caixa 2. Por isso, o MPF vem denunciando essas e outras tentativas de esvaziá-la.

Para o diretor nacional do Movimento Voto Consciente, Humberto Dantas, a resistência dos políticos à criminalização do caixa 2 não deixa de ser uma peça de autoconfissão.

“Os estudos da Ciência Política mostram que existe uma relação direta entre arrecadação de campanha e quantidade de votos recebidos. Quando são obtidos irregularmente, esses recursos criam enormes distorções nos mecanismos da democracia representativa”, observa ele.

O cientista político Carlos Melo, do Insper, não acha que valha a pena entrar no debate que pretende diferenciar caixa 2 e propina. “A propina tende a vir depois que o eleito tiver sido empossado. É uma proposta que deixa a brecha para que depois se argumente que não houve a intenção da corrupção.”

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Em conversa telefônica com esta Coluna, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, foi mais fundo. Lembrou que a prática do caixa 2 não está claramente tipificada do ponto de vista penal e não leva em conta o principal, não remove a verdadeira causa e não atende ao objetivo mais importante, que é coibir o abuso do poder econômico na escolha de candidatos a cargos políticos: “Não adianta condenar e punir a prática do caixa 2 se o sistema eleitoral continuar sendo o que é. Hoje há 510 mil candidatos a vereador no Brasil que não podem gastar em sua campanha eleitoral mais do que R$ 10,8 mil. Eles não poderiam nem ter um veículo à sua disposição. Um candidato a prefeito não pode gastar mais do que R$ 100 mil. Assim, apesar das proibições, o caixa 2 acaba prevalecendo. A lei não pode divorciar-se da realidade. Corremos o risco de ter uma legislação apenas simbólica. Não nos iludamos. Não vamos resolver o problema apenas com a criminalização do caixa 2. Esta tem de ser consequência”.

Independentemente disso, quinta-feira a Receita Federal fechou acordo com o TSE para aumentar a fiscalização de candidatos, partidos políticos, fornecedores e prestadores de serviços de campanha eleitoral com indícios de irregularidades nas prestações de contas./COM RAQUEL BRANDÃO

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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