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Crise chega ao holerite dos executivos

Depois de crescer até 30% por ano desde 2010, rendimento de executivos está sofrendo uma freada brusca em 2015

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller
Atualização:

Em 2013, o executivo Renato Urvaneja recebeu um convite difícil de recusar. Trocou a região de Campinas, em São Paulo, por Curitiba – onde o custo de vida é mais baixo – para assumir o posto de diretor financeiro na Plastic Omnium. Dispensado do cargo em abril após um corte de custos do grupo francês, o executivo se depara, apenas dois anos mais tarde, com um cenário completamente diferente: o mercado agora está cheio de talentos, e as oportunidades são poucas. “Fatalmente vou ter de aceitar um salário 25% a 30% mais baixo do que no meu último emprego”, diz Urvaneja, 50 anos.

O que o executivo sente na pele já começa a ficar evidente nas pesquisas de salários feitas por consultorias de recursos humanos. Um levantamento da Page Executive, divisão de altos cargos da Michael Page, mostra uma freada brusca na remuneração. De 2013 para 2014, a renda anual total de um presidente de multinacional que fatura de R$ 100 milhões a R$ 500 milhões no Brasil havia subido 8,5%, para R$ 1,045 milhão. Em 2015, no entanto, a renda anual caiu 11,2%, para R$ 928 mil (veja mais exemplos no quadro acima). A retração real, no entanto, é maior, pois os números da consultoria não levam em consideração a inflação de 12 meses – que supera a marca de 9%.

 Foto: Arte Estadão

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Especialistas em captação de talentos afirmam que o humor do mercado mudou totalmente. Segundo Fernando Andraus, diretor executivo da Page Executive, o tempo em que os profissionais qualificados podiam mudar de emprego a cada dois anos – e receber vultuosos aumentos a cada troca – ficou para trás. A queda na remuneração total, segundo Andraus, pode ser explicada por dois fatores. Em primeiro lugar, os salários mensais dos executivos, que ainda respondem pela maior parte da renda total mesmo no alto escalão, pararam de subir; em segundo, com a piora sensível dos resultados das empresas, os bônus pagos ao fim de cada ano foram reduzidos.

“Hoje, quando um executivo precisa se recolocar, ele provavelmente terá um pequeno decréscimo no rendimento”, diz Andraus. “A empresa, quando decide substituir alguém no alto escalão, vai provavelmente pagar um pouco menos para o novo contratado. Apesar disso, a gente ainda está muito longe do que aconteceu na Espanha há alguns anos, onde os salários caíram pela metade por causa da crise.” No Brasil, diz Andraus, os salários não caem tanto porque existe deficiência de mão de obra qualificada.

Descompasso. As oportunidades, no entanto, só não secaram de vez porque, em muitas companhias, existe um “descompasso” entre o talento do executivo contratado há alguns anos e a necessidade dos negócios hoje. Até 2013, o mercado buscava gente capaz de levar o negócio ao crescimento, mesmo que isso significasse investir e contratar mais. Hoje, a demanda é por um executivo bom de corte de custos, que possa “segurar as pontas” até que um novo ciclo de expansão se inicie. “Quando a empresa está crescendo, pode até deixar ali o funcionário que está com desempenho mediano. Mas, num ambiente incerto, a tendência é a busca da melhor performance. É o que está movimentando o mercado de head hunting neste momento.”

Outra tendência de mercado, segundo Fabrizio Forti, consultor da consultoria Hay Group, é a migração para uma forma de remuneração que priorize o variável, como já ocorre nos Estados Unidos. Ou seja: o executivo recebe conforme o lucro que traz para o negócio. Entre 2012 e 2014, segundo a consultoria, a participação do salário-base na remuneração do executivo caiu de 51% para 44%. Dados preliminares da Hay Group para este ano mostram uma nova redução, para cerca de 33%.

Outro consenso de mercado é que o tempo de espera para que a empresa bata o martelo referente a contratações deve aumentar. É outra tendência que o executivo Renato Urvaneja, que procura uma posição há três meses, já percebeu. “Acho muito difícil que eu encontre uma oportunidade em menos de seis meses.”

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Cortes também nos gastos dos executivos

Aos 53 anos, o executivo Francesco Emilio De Cesare, que começou a trabalhar aos 14, já viu o País passar por todo o tipo de crise: hiperinflação, Plano Collor, megavalorização do dólar em 1999, crise do subprime americano em 2009. Apesar de já ter trocado de trabalho “com crise e sem crise”, afirma que o cenário atual é de cautela. 

E isso apesar de, na prática, sequer estar desempregado: ele ainda vai terminar um projeto na fabricante americana de equipamentos médicos Boston Scientific até a próxima quinta-feira. Mesmo assim, já traçou um plano de austeridade para os próximos meses. Apesar de seus filhos serem já adultos e quase independentes, De Cesare diz que a situação pede um olhar duro para os gastos da família. A exemplo de outros executivos ouvidos pelo Estado, ele diz ter percebido que a tomada de decisão por parte das empresas está mais lenta. “Acho que existe uma falta de confiança no País que é local e internacional.”

 Foto: Felipe Rau/Estadao

Austeridade. De Cesare: planos de cortar gastos para atravessar a crise

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Dentro deste cenário turvo, o executivo já começou a fazer as contas sobre o que pode ser cortado em seu atual padrão de vida. Caso a procura por uma nova posição executiva dure muitos meses, De Cesare pode colocar em prática o que chama de “plano C”: trocar o apartamento atual, de 200 metros quadrados, por um menor. “A gente tem de olhar o futuro e ter a consciência de que, em algum momento, o padrão de vida vai cair. É melhor a gente se preparar para não sofrer um grande choque.”

Busca. Enquanto a busca de De Cesare por um novo emprego ainda está no início, Pedro Alba Bayarri, 45 anos, diz se dedicar “em período integral” à procura de uma nova posição. O executivo, que era vice-presidente comercial e de operações da Formitex, uma empresa nacional “de dono”, afirma que as companhias hoje buscam um tipo bem específico de profissional: o que tem experiência em “turnaround” – ou seja, em transformar negócios em dificuldades em empresas saudáveis. Ele, felizmente, diz ter experiência nessa área. 

Outra característica do mercado atual, afirma Bayarri, é que o executivo precisa mostrar flexibilidade na hora de negociar o salário. “Na hora da substituir um executivo, as empresas estão oferecendo um pacote de remuneração com um componente bem mais forte de renda variável, com base no resultado.”

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Na opinião do executivo, o mercado de contratações por empresas multinacionais está praticamente parado. “Hoje, 80% do PIB (Produto Interno Bruto) é gerado pelas empresas nacionais e familiares, enquanto as múltis respondem pelo restante”, diz Bayarri. “Acho que existem hoje três tipos de empresas oferecendo oportunidades para executivos: as que precisam se reestruturar, as que estão para receber investimentos de fundos e as que estão buscando alguma chance de M&A (fusão ou aquisição).”

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