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‘Crise é dura, mas lembra da inflação?', questiona Mailson da Nóbrega

Para ex-ministro de José Sarney, situação de Temer é melhor, mas fim do mandato pode ser tão difícil quanto em 1989

Por Douglas Gavras
Atualização:
O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega 

O presidente enfrenta sua pior crise desde que assumiu o Planalto. Impopular, ele tenta aprovar um pacote de reformas que desagrada a sociedade e faz o custo da relação com o Congresso subir rapidamente. O resultado da próxima eleição direta ainda é imprevisível, e a fraqueza do governo torna a passagem do poder sem solavancos o seu maior objetivo.

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A cena descreve o Brasil de 1989, mas a semelhança entre o desfecho do governo de José Sarney – primeiro a comandar o País após a redemocratização e a morte de Tancredo Neves – e a tempestade que Michel Temer tem à frente não passou despercebida por analistas políticos e econômicos.

Último ministro da Fazenda de Sarney, Mailson da Nóbrega receia que Temer perca capital político e tenha um fim de mandato instável, como o do maranhense. Agora, contudo, ainda é cedo para dar como certa a “sarneyzação” do atual presidente e há mais diferenças do que semelhanças entre os dois, ponderou o economista, em entrevista ao Estado

Os dias que se sucederam à divulgação da conversa do presidente Temer com Joesley Batista têm sido difíceis para o Planalto. Alguns analistas avaliam que o governo corre o risco de “sarneyzação”. Esse perigo é real?

Acho que Temer ainda passa longe de uma experiência como aquela. No fim da década de 1980, o poder estava dividido entre José Sarney e Ulysses Guimarães. Ulysses era o triplamente poderoso presidente da Câmara, do PMDB e cérebro da Constituinte, tinha poder até de vetar nomeações de ministros. Hoje, o centro político está em Temer. No campo da organização do Estado, o Brasil também evoluiu muito – não tem mais banco estadual quebrando toda semana, vários setores foram privatizados. A crise é dura, mas lembra da inflação? A situação de Temer é muito melhor do que a que vivemos no governo nos anos 1980. O Brasil também não tem crise cambial, continua sendo um mercado muito atrativo para o capital, mostra ser seguro e rentável.

Apesar das diferenças, o que aproxima os dois governos? As semelhanças entre Temer e Sarney tendem a aumentar com o tempo, na medida em que o presidente levará seu último ano com dificuldade, com o agravamento desse ambiente de denúncias e ameaças de impeachment. A experiência brasileira mostra que, quanto menor o capital político do presidente, mais se fortalece a percepção de que a equipe econômica vai ser a âncora do Executivo. Quando ela se torna fonte de credibilidade e a sua saída sugere que haverá mais crise, ganha capacidade de resistir às pressões políticas.

Pressões por uma revisão da política econômica atual? Sim. Essa é a segunda semelhança entre Temer e Sarney: no entorno do presidente, ter pessoas achando que a economia atrapalha, que ele pode ganhar popularidade aumentando gastos. Isso sempre vai ter, mas a capacidade de resistência da equipe econômica também tende a dobrar nesses momentos, porque há o risco de se tentar impor uma mudança de rumo na economia e isso resultar na saída desse grupo do governo, com consequências. 

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Isso aconteceu enquanto o senhor comandou a Fazenda? Fizemos o Plano Verão (uma das tentativas de controle da inflação, em 1989, mas que não funcionou), com a intenção bem modesta, de que durasse até dezembro. O Congresso só aprovou o congelamento de preços, rejeitou a extinção de órgãos, a demissão de funcionários públicos, as privatizações. A ideia começou a morrer no segundo dia. Chegamos ao ponto de dizer que o objetivo daquela política econômica era fazer o País funcionar apenas perto do normal.

As reformas de Temer não podem ter o mesmo destino? Sarney estava com capital político quase zero, Temer leva uma vantagem em relação aos seus antecessores, a de ter presidido a Câmara antes de chegar ao Planalto. Ele está acostumado ao jogo parlamentar e sabe bem como usar os recursos do poder, o que tende a neutralizar pautas-bomba. A oposição não tem influência para bloquear as reformas, ela só tem força para gritar, subir na mesa, mas é minoria. Alguma versão das reformas deve passar. A trabalhista é praticamente certa, ela venceu passos decisivos antes de ir ao plenário do Senado. Na pior das hipóteses, na da Previdência passará só a idade mínima. Ela é importante, talvez só não tenha sido bem explicada.

A falta de comunicação não era um dos problemas dos planos econômicos de Sarney? Na época do Plano Verão, explicamos bastante, sim.

Nesse pouco mais de um ano, a equipe Temer fez mais ou menos do que se esperava dela? A equipe do governo atual fez muito mais do que o esperado e eu duvidava que conseguissem avançar, após o trauma de um novo impeachment. Em pouco mais de um ano, eles mudaram a regra da Petrobrás nos leilões, aprovaram uma lei sobre governança das estatais, acabaram com aquela regra estúpida de não poder ter terceirização para a atividade fim, mexeram na DRU. O governo conseguiu montar uma boa equipe para avançar na infraestrutura, abandonou o voluntarismo do período em que Dilma Rousseff esteve no poder. Basta olhar para os leilões de aeroportos, em que os principais grupos do mundo se interessaram em investir nos terminais do Brasil. Nem mesmo a longa crise econômica conseguiu diminuir o interesse estrangeiro por fazer negócios no País.

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Uma outra preocupação é que a corrosão das forças políticas tradicionais deixe a eleição do ano que vem parecida com a de 1989. O senhor concorda? É um exagero. A campanha de 89 foi influenciada pela situação econômica e social, pela inflação galopante e as incertezas daquela época. Mas também tinha o fator novidade, de o País ter ficado sem votar para presidente por quase 30 anos, eram vários candidatos parecidos esperando na fila, achando que era a vez deles. Conclusão: muitos só somaram 5% dos votos. A tendência agora é ter uma aglutinação.

Como era ser ministro de um governo enfraquecido? Foi um período de enorme tensão para o País. Eu trabalhava 14, 16 horas por dia, não tinha sábado nem domingo. A gente não sabia o dia de amanhã, havia muitas greves, insatisfação popular e dificuldade para aprovar o mínimo. Na época, eu tinha ganho um litro de uísque e dizia que, quando entregasse o cargo em março de 1990 à Zélia Cardoso de Mello, ministra que me sucedeu, dormiria por dez anos depois de tomar aquela garrafa sozinho...

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