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Crise política reforça desânimo na economia

Dificuldade do governo em aprovar medidas de ajuste no Congresso abala popularidade da presidente e reforça cenário de pessimismo

Por LUIZ GUILHERME GERBELLI
Atualização:

A combinação entre a crise política e a econômica está dificultando a retomada do crescimento. O enredo ruim de 2015 se reflete na rápida deterioração da percepção de empresários, consumidores e investidores com o Brasil. A confiança de vários setores atingiu o nível mais baixo de cada série histórica, e o quadro de pessimismo instaurado no País se agrava porque não há sinais de retomada no curto prazo.

O mau humor também enfraqueceu o governo. Há uma grande desaprovação com o rumo adotado pela segunda gestão Dilma Rousseff. Nas últimas pesquisas, a avaliação positiva do governo ficou abaixo de 10% – um índice de popularidade superior apenas ao do ex-presidente José Sarney (1985-1990), quando o cenário econômico era muito mais adverso.

Dilma tem baixa popularidade e enfrenta resistência no Congresso Foto: ANDRE DUSEK/ESTADÃO24/6/2015

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O problema atual é que, sem apoio popular e político, o governo tem dificuldade em unir a sua base de apoio para negociar as medidas de ajuste fiscal com o Congresso e precisa, ao mesmo tempo, lidar com os impactos políticos da Operação Lava Jato.

A gestão Dilma também enfrenta batalhas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e precisou se defender das pedaladas fiscais praticadas no ano passado no Tribunal de Contas da União (TCU).

“A percepção de que essa crise é uma das piores das últimas décadas se dá porque houve uma combinação da piora econômica e política. Elas estão se retroalimentando”, afirma João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina da consultoria Eurasia Group. “O momento é de cautela. A visão geral é de que pode piorar antes de melhorar. Não basta só ao governo mostrar boa intenção em corrigir rumo. Ele tem de demonstrar capacidade de implementar as medidas necessárias”, diz.

A confirmação desse mau momento do País foi chancelada na semana passada, quando a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) alterou perspectiva da nota brasileira de estável para negativa. Agora, o Brasil ficou mais próximo de perder o grau de investimento.

 

Ano difícil. Já se esperava um ano bastante difícil tanto na política como na economia. Politicamente, o País se dividiu depois da acirrada eleição do ano passado. Na agenda econômica, a nova equipe tem promovido uma série de ajustes para corrigir os desequilíbrios que surgiram nos quatro anos anteriores. A aposta do governo era que, com a execução do ajuste, a confiança iria voltar e, com ela, o crescimento econômico. Mas esse plano não se confirmou.

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“No horizonte atual, as empresas estão muito pessimistas. Isso faz com que elas adiem as decisões de contratação e investimento, o que acaba retroalimentando essa desaceleração”, diz Aloisio Campelo, superintende adjunto para ciclos econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Essa crise tem sido idiossincrática do Brasil. Nos outros países, a confiança está subindo. Vai demorar muito para o País voltar a ter uma confiança em alta”, afirma Campelo.

O consumidor também colabora para esse círculo vicioso. A inflação – que deve chegar a 9,23% no fim do ano – e o desemprego em alta tiram o poder de compra. Como resultado, o consumo – que sustentou a economia por anos – perdeu fôlego e diminuiu a sensação de bem-estar na população. “Se o consumidor não está confiante, seja porque a inflação e o desemprego estão altos, ele não vai gastar”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra. “Se ele não gasta, o comércio não vende. E, se o comércio não vende, a indústria não produz”, afirma Oliveira.

Projeções em queda. A falta de ânimo com o Brasil tem levado a projeção para o crescimento econômico a ser cada vez mais pessimista. O primeiro relatório Focus, do Banco Central, deste ano mostrava que os analistas consultados projetavam um crescimento de 0,50% para 2015. No último, passaram a projetar uma recessão de 1,76%. “Tirar a economia dessa paralisação total e reverter a crise de pessimismo passa por uma agenda de reformas. Mas fica difícil de fazer com o Congresso atual”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria Integrada.

Antes, havia apoio político

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Nas últimas grandes turbulências brasileiras, a política e a economia seguiram caminhos diferentes, o que não ocorre na conjuntura atual. Em 1999, quando a economia brasileira enfrentou a crise cambial e passou por um forte ajuste, o recém-reeleito presidente Fernando Henrique Cardoso tinha uma ampla base de apoio no Congresso.

Na eleição de 1998, o PSDB e o então PFL (hoje DEM, dono da vice-presidência à época) conseguiram eleger uma ampla bancada de deputados federais. A chapa de reeleição do tucano ainda contou com o apoio do PTB e do PPB – atualmente PP. Em 2005, no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o escândalo do mensalão reduziu a aprovação do governo e atingiu nomes históricos do PT.

Apesar de bastante complicado, o quadro foi contornado pela melhora do sentimento econômico. Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 3,16% – um ano antes, o Brasil havia crescido 5,71%. Em 2006, no ano seguinte ao escândalo, Lula conseguiu se reeleger – no segundo turno, derrotou o tucano Geraldo Alckmin – e, ao longo do segundo mandato, a popularidade do petista só aumentou. 

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DUAS PERGUNTAS PARA...

Carlos Melo, professor do Insper

Em altaEconomia
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1. Qual foi o erro do governo na condução política para garantir o ajuste fiscal? O governo achou que poderia prescindir do PMDB. A Dilma imaginou um realinhamento partidário com Kassab (Gilberto Kassab, ministro das Cidades), Cid Gomes (ex-ministro da Educação), Kátia Abreu (ministra da Agricultura) e George Hilton (ministro dos Esportes). Quando eu falo na Kátia, eu falo da bancada de ruralistas. Quando eu falo do George Hilton, falo da bancada evangélica. Ela também juntaria o PSD, do Kassab, e o Pros, do Cid Gomes. Com isso, ela reordenaria o sistema político do Congresso e bloquearia o Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados). Foi um tiro no pé. O Congresso começou a vender mais caro o ajuste, e o que era esperado não veio. 

2. Como os governos se comportaram nas crises políticas ou econômicas? No período recente, o governo Sarney optou pela política do feijão com arroz e por ajustes pontuais. Ele esperou o tempo passar. No caso do Collor, o sistema político resolveu e colocou o Itamar no lugar dele. O Itamar deu algumas cabeçadas no início até encontrar o caminho com a equipe do Plano Real. O Fernando Henrique fez um segundo mandato menos popular do que o primeiro, mas conseguiu fazer reformas importantes porque tinha o controle de uma base no Congresso. O Lula enfrentou a crise do Mensalão, mas a economia melhorava. No caso da Dilma, o grande problema é como ela vai controlar o Congresso. Ela já não tem mais grandes recursos para distribuir para deputados e senadores. O caso dela é sui generis: nem a política ajuda a economia nem a economia ajuda a política. 

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