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'Crise russa ameaça a recuperação global'

Especialista destaca que divergências entre os bancos centrais é um grande desafio para economia em 2015

Por Luciana Xavier
Atualização:

A crise na Rússia representa uma ameaça à recuperação da economia global e seu prolongamento pode colocar a Europa em recessão, avalia Mohamed El-Erian, consultor-chefe do Allianz, grupo alemão que atua nas áreas de seguros, serviços financeiros e administração de fundos, e ex-executivo-chefe da americana Pimco, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo. El-Erian, que também faz parte do Conselho de Desenvolvimento Global do governo de Barack Obama, concedeu entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço de notícias em tempo da Agência Estado, por e-mail. Segundo El-Erian, a Rússia está no "meio de uma implosão cambial" que levará a uma recessão mais profunda do país. O governo da Rússia anunciou recentemente que prevê que a economia do país tenha contração de 0,8% em 2015. Desdobramentos desse cenário trariam implicações econômicas e geopolíticas para o Ocidente. Ainda na análise da economia global, ele vê as divergências entre os bancos centrais como um grande desafio a ser enfrentado no ano que vem. "As direções opostas para a política monetária do mundo avançado poderiam impor um fardo pesado demais nas taxas de câmbio, que são os principais amortecedores de choques. O resultado seria um tipo de volatilidade cambial que, em várias ocasiões no passado, tendeu a quebrar alguma coisa." A seguir trechos da entrevista. A Rússia entrará em colapso junto com o rublo? Devido à combinação de baixos preços do petróleo, sanções do Ocidente e ingerência da economia doméstica, a Rússia está no meio de uma implosão cambial que levará a uma recessão mais profunda, causará maior fuga de capitais e dará mais combustível para a inflação. Ao hesitar em utilizar plenamente as reservas internacionais, por razões compreensíveis, provavelmente o governo vai acabar impondo controle de capitais. Ainda que isso possa retardar a propagação das deslocações financeiras na Rússia, também não fará nada para projetar uma recuperação econômica. Por isso, o presidente (Vladimir) Putin precisa começar a mudar o rumo em relação à Ucrânia, envolver de modo construtivo o Ocidente e trabalhar para que as sanções impostas ao país sejam retiradas. O que deu errado com os Brics? Os Brics estão longe de ser um grupo homogêneo e, enquanto todos eles enfrentam o desafio geral de encontrar melhores modelos de crescimento, os obstáculos são diferentes, uma vez que cada país enfrenta um conjunto de circunstâncias particulares. Nós falamos sobre a Rússia. No caso do Brasil, o maior culpado é o fracasso em progredir com as reformas macro estruturais restantes e algumas reformas micro. No lugar disso, o País tem sido tentado a voltar para abordagens antigas cuja eficácia é limitada. A Índia está ainda procurando em dar o salto na primeira geração de reforma estrutural que o Brasil fez sob o governo do presidente Lula. E a China está num processo de desaceleração suave da economia, ao mesmo tempo em que combate os bolsões de potencial instabilidade financeira, incluindo os bancos sombras. Também deveria ser salientado que o gerenciamento econômico nos Brics ficou muito mais difícil por causa do ambiente econômico global atual. Tendo sido forçados a contar - excessivamente e por muito tempo após a crise financeira mundial 2008 - com políticas monetárias não convencionais experimentais em sua busca de políticas internas, as economias avançadas trouxeram maior instabilidade financeira ao mundo emergente. Isso tornou ainda mais difícil para os Brics superar os desafios domésticos. Se o sr. criasse um novo acrônimo para nomear mercados emergentes promissores, qual seria? Não sou bom nisso de siglas. Mas essa não é a única razão pela qual eu estou me abstendo, se me permite, de propor uma. As economias emergentes hoje formam um grupo muito heterogêneo, que abrange uma ampla gama em termos de maturidade econômica, solidez financeira e solvência. Em tais circunstâncias, o um acrônimo corre o risco de ofuscar mais do que iluminar. Quais os principais desafios para a economia global no próximo ano? Vamos começar pelo que acredito ser o grande tema de 2015, o da "divergência". No próximo ano veremos um aumento das diferenças no desempenho econômico no mundo avançado e, com isso, perspectivas opostas para as políticas dos bancos centrais. Dadas as restrições políticas sobre as políticas fiscais e reformas estruturais nesses países, a difícil tarefa de reconciliação se concentrará nos mercados cambiais. O resultado seria um tipo de volatilidade cambial que, em várias ocasiões no passado, tendeu a quebrar alguma coisa. O próximo desafio tem a ver com o fracasso em acalmar as tensões geopolíticas e o que isso poderia fazer para o crescimento global. O risco é particularmente agudo quando se trata de diferenças russo-ocidentais em relação à Ucrânia. O ocidente provavelmente imporá sanções adicionais "Nível 3", englobando energia e finanças. Se isso ocorrer, a Rússia provavelmente imporá sanções relacionadas ao fornecimento de energia para a Europa oriental, central e ocidental. E o resultado disso seria a Europa cair em uma recessão, escurecendo as perspectivas para a economia global. Mas não devemos focar apenas nos desafios desfavoráveis. Há também fatores que, caso se materializem, poderiam resultar em uma perspectiva significativamente melhor, especialmente agora que a economia dos Estados Unidos está ganhando força. Uma resposta política mais abrangente por parte das economias avançadas faria uma enorme diferença, e ela não se restringe ao design e engenharia de políticas. As soluções são conhecidas. Trata-se de vontade política em implementá-las. Se isso mudar, o impacto sobre o desempenho econômico seria turbinado pelo engajamento produtivo de ampla quantidade de recursos e maior utilização de inovação tecnológica. O Fed deve começar a subir os juros no próximo ano, enquanto outras economias avançadas devem manter suas políticas mais frouxas. Qual será o custo desse desequilíbrio e quem pagará mais por ele? Isso está relacionado às "divergências" entre os bancos centrais do mundo avançado. Na falta de uma melhor resposta das políticas dessas economias, as direções opostas para a política monetária poderiam impor um fardo pesado demais nas taxas de câmbio, que são os principais amortecedores de choques. Depois de seis anos, o mundo ainda está lutando para se recuperar. O sr. vê o fim da crise? A crise se transformou em um trauma financeiro agudo em cascata, que quase colocou o mundo numa longa depressão, com um cenário de crescimento insuficiente e com bolsões de instabilidade financeira.

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