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Davos admite que crise social ameaça sistema

Fórum traz um alerta: crise financeira de 2008 pode ter sido superada e economia pode ter voltado a crescer, mas o mundo vive uma crise social

Por Jamil Chade e correspondente em Genebra
Atualização:
Protesto. Membros do Greenpeace pedem justiça às vésperas do fórum em Davos Foto: Reuters/Arnd Wiegmann

Durante meio século, foi aos pés da montanha mágica de Davos que a ideia da globalização financeira ganhou seus contornos modernos. No evento promovido para a elite das finanças internacionais, aberturas inéditas de mercados começaram a ser desenhadas e um consenso foi erguido sobre os benefícios de um mundo sem fronteiras para o capital. 

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Agora, o Fórum Econômico Mundial de Davos abre sua 48.ª edição terça-feira com um alerta: a crise financeira de 2008 pode ter sido superada e a economia pode ter voltado a crescer. Mas o mundo está “preso em uma crise social”. 

A partir de terça-feira, três mil executivos, líderes internacionais e personalidades estarão em Davos para uma tarefa das mais difíceis: restaurar algum tipo de coordenação e cooperação “em um mundo fraturado”. O evento terá a participação recorde de 70 chefes de Estado e de governo.

O novo discurso não ocorre por acaso. Os organizadores admitem em documentos que, pelo mundo, ganha força a percepção de que a abertura de mercados não ajudou a todos, como era a promessa. Postos de trabalho foram destruídos e, em algumas regiões, milhares de pessoas ficaram órfãs de um futuro profissional. 

O desafio, porém, é que tal constatação tem alimentado uma reação ainda mais perigosa: o populismo, o fechamento de mercados e resultados eleitorais como a vitória de Donald Trump ou o Brexit. Membros do fórum, em conversa com o Estado, alertaram que o diagnóstico dos problemas globais tem sido equivocado, o que tem levado a políticas desastrosas. 

Durante a semana, Klaus Schwab, fundador do evento, insistirá que o mundo precisa de um “novo contrato social”. Assim como pacotes de resgate foram implementados há uma década para salvar bancos e economias, Schwab defende que “as fundações da sociedade sejam refundadas”. 

Sem questionar o capitalismo, ele aponta que existe uma percepção hoje de que a prosperidade não tem sido repartida de forma justa e que o setor privado tem ficado com uma parcela exagerada dos ganhos. Para ele, a crise social é tão ameaçadora para o sistema como a crise financeira em 2008. 

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Trump. Seu novo tom, porém, é interpretado como esforço de Davos por estar mais próximo do eleitorado que votou por Trump, convidado de honra deste ano. Mas, no caso do fórum, a receita protecionista não é a solução. Nesta semana, o evento ainda vai debater o comércio internacional e, para isso, apresentará estudo em que alguns dos pilares da estratégia de Trump – como o superávit comercial – serão questionados.

Entre os organizadores, não se descarta que o palco de Davos pode acabar expondo ainda mais as fraturas entre os líderes. Os governos europeus querem deixar claro que não estão de acordo com as iniciativas políticas do governo americano e que vão se unir para frear propostas da Casa Branca. 

O desembarque do americano em Davos não vem sem críticas. Afinal, o evento é o símbolo de tudo o que Trump criticou na campanha: uma elite desconectada da realidade. Trump, porém, não é o único expoente de uma tendência protecionista e xenófoba. Na Europa, e mesmo em economias emergentes, teses populistas vêm ganhando espaço e levando partidos de extrema-direita a obter resultados inéditos nas urnas. 

Mas o questionamento da globalização também põe pressão sobre Davos. Poucos ali foram capazes de prever a crise financeira de 2008 e muito menos traçar medidas para restaurar os empregos para quem ficou pelo caminho. Para Schwab, uma resposta social agora precisa vir do setor privado.

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Petrobrás. A Petrobrás volta a ser uma das parceiras do Fórum Econômico de Davos, um privilégio dado a apenas mil empresas multinacionais que, em troca de acesso aos demais líderes e um palco, são convidadas a pagar uma pesada anuidade aos organizadores do evento. 

A partir deste ano, a estatal brasileira que viveu um dos piores escândalos de corrupção da história corporativa terá uma vez mais um espaço entre a elite econômica mundial. Pedro Parente, presidente executivo da empresa, será um dos palestrantes em debate com pouca relação com corrupção ou temas políticos. Ele falará sobre inovação, mudanças climáticas e transição energética. Mas, acima de tudo, poderá circular entre os chefes das finanças do mundo, além de mais de 70 chefes de Estado. 

Até 2014, a estatal bancava uma iniciativa de combate à corrupção em Davos. Mas, diante da Lava Jato, desapareceu do programa e passou a evitar a Montanha Mágica. O Fórum, apesar de questionado pelo Estado, jamais deu uma explicação sobre o papel da Petrobrás na campanha anticorrupção. 

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A volta a Davos, porém, faz parte de uma tentativa de um resgate da imagem da empresa. A Petrobrás pagou cerca de US$ 3 bilhões para encerrar os processos existentes nos EUA e viu sua imagem ser duramente afetada pela Operação Lava Jato. Entidades como a Transparência Internacional chegaram a considerar a investigação no Brasil como o maior escândalo de corrupção. 

Não é apenas a Petrobrás que volta à cidade de Davos. Pela primeira vez em quatro anos, um presidente brasileiro estará no evento e focará sua agenda em encontros com empresários. No dia 24 de janeiro, Michel Temer chega à cidade na esperança de atrair investidores e tentar convencer de que existe uma retomada da economia. 

Temer ainda terá a ocasião de falar para os empresários internacionais na manhã do dia 24, inclusive respondendo a perguntas. Ele será um dos poucos líderes internacionais a ter um palco apenas para ele, um sinal da importância que o evento confere à sua participação. 

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