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Economia e outras histórias

De novo o ‘efeito Orloff’?

A ver se a experiência mais liberal que começa na Argentina será replicada aqui

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Por José Paulo Kupfer
Atualização:

É notável como os caminhos econômicos – e, de algum modo, também os políticos –, de Brasil e Argentina se entrecruzam. Os sinais são em geral trocados, os tempos defasados e as intensidades diferentes. Mas os temas, pautas e problemas insistem em se repetir num país e no outro. Derivação jocosa da célebre peça publicitária de uma marca de vodca dos anos 80, que martelava o slogan “Eu sou você amanhã”, o “efeito Orloff”, segundo o qual o que acontece lá ou cá acontecerá com alguma diferença temporal cá ou lá, sobrevive como uma espécie de maldição geoeconômica.

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A vitória de Mauricio Macri, no segundo turno das eleições presidenciais argentinas, lembra o desenrolar do pleito brasileiro de um ano antes com sinal ideológico invertido. Na Argentina, ao contrário do Brasil, em que a candidata situacionista e mais intervencionista venceu, ganhou o oposicionista mais liberal. Como aqui, a diferença do ganhador para o situacionista Daniel Scioli foi apertada – de apenas 2,8 pontos porcentuais – e Macri, igualmente, não conseguiu maioria efetiva no Congresso.

Como tem sido aqui para a presidente Dilma Rousseff, ao vencedor Macri será bem complicado cumprir as promessas de campanha. No caso dele, o de liberar e descomprimir a economia, deixando-a operar mais ao sabor do mercado. São imensas as amarras impostas à economia pela presidente Cristina Kirchner, em seu segundo mandato, na sequência dos governos de Néstor Kirchner, seu falecido marido, e do seu primeiro turno presidencial.

O que Dilma represou de preços e despejou em subsídios é uma gota no oceano diante do que fez o governo argentino. Estima-se que, no ano passado, só no setor de energia foram gastos o equivalente a 3,5% do PIB. Em 2015, as despesas com subsídios já passam de 5% do PIB e o déficit público anda na casa de 6% do PIB.

O maior desafio imediato diz respeito ao mercado de câmbio. Para estancar recorrentes fugas de capitais, o governo adotou, gradativamente, várias restrições burocráticas, bem como cotas e limites, além de tributos, inclusive de exportação, nas operações com dólares. Disso resultou um mercado travado em que convivem taxas múltiplas. Regularizar um mercado com tantas restrições e sem contar com um colchão de reservas internacionais – oficialmente elas estão em US$ 25 bilhões, mas na prática, estima-se que não passem de US$ 5 bilhões – não é missão impossível, mas seus custos serão imensos.

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Se cumprir a promessa de, rapidamente, reformar o mercado cambial, passando a operar com uma única taxa flutuante, o novo governo deverá aceitar uma maxidesvalorização em torno de 50% – essa é a diferença atual da cotação oficial, de 10 pesos por dólar, para o câmbio paralelo, conhecido como “blue”, de 15 pesos por dólar. Com base nesse esperado movimento, a projeção é que a inflação, em 2016, sem maquiagem nos cálculos, pode chegar aos 40%.

Desde o Plano Austral, no governo Alfonsín, nos anos 80, até o início dos anos 2000, depois dos dez anos sob o comando de Carlos Menem, com o fim do peso conversível e a adoção da moeda atual, o peso, a Argentina, acossada pela hiperinflação, foi um laboratório de experiências econômicas radicais, replicadas em parte no Brasil com atrasos e em formatos mais moderados. A vitória sobre a hiperinflação, nesse período de pouco mais de 15 anos, deixou sequelas sociais e produziu crises políticas, incluindo a renúncia de um presidente.

Grande exportadora de commodities, a Argentina, mais uma vez como o Brasil, também se beneficiou do boom impulsionado pela China. Um período de estabilidade e redução da pobreza, comandado por 12 anos pelo casal Kirchner, chega ao fim, legando, ainda e de novo como aqui, juntamente com avanços sociais, desequilíbrios fiscais, desemprego e baixo crescimento.

A ver se a tentativa argentina mais liberal de retomada do crescimento terá êxito e encontrará espaço para se converter, no Brasil, em mais um “efeito Orloff”.

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