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Desentortando o destino

Tratamentos para doenças raras devem fazer a indústria farmacêutica modificar seu modelo de negócios

Por The Economist
Atualização:

Ao sair do instituto de genética do Ospedale San Raffaele, em Milão, as pessoas ainda estão nervosas. Passado algum tempo, muitas delas verão o dia em que seus filhos foram submetidos ao tratamento de terapia gênica desenvolvido pelos geneticistas do hospital como a bênção de um novo começo. Crianças que, em razão de um DNA defeituoso, antes estavam condenadas a ter vida uma curta, marcada pelo sofrimento, agora podem levar uma vida normal. Há não muito tempo, tratamentos capazes de curar doenças genéticas raras de crianças ou adultos eram apenas um sonho. Agora estão prestes a se tornar uma realidade comercial.

As terapias gênicas envolvem o implante de sequências saudáveis de DNA em células do paciente, com frequência por meio da utilização de um vírus que teve seu potencial patogênico neutralizado. Uma vez no interior da célula, o novo DNA produz a proteína que antes faltava e o defeito é corrigido. EM 21 de julho, a Food and Drug Administration (FDA), agência americana de vigilância sanitária, conferiu a chancela de “procedimento inovador”? criada para acelerar a aprovação de novos tratamentos de doenças graves ? a duas terapias gênicas.

De acordo com o GSK, não faz sentido lançar um tratamento pelo qual ninguém pode pagar Foto: Luke MacGregor|Reuters

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Uma delas, desenvolvida conjuntamente pela gigante da indústria farmacêutica Pfizer e pela empresa de biotecnologia Spark Therapeutics, destina-se ao tratamento da hemofilia B, uma doença hemorrágica rara. A outra, criada pela AveXis, companhia especializada em terapia gênica, é voltada aos pacientes que sofrem de atrofia muscular espinhal, um grave distúrbio neuromuscular. O segmento já atrai o olho gordo dos investidores: simultaneamente ao anúncio de que esses dois novos tratamentos teriam status prioritário no processo de aprovação da FDA, a empresa de biotecnologia e terapia gênica Audentes captou US$ 75 milhões com uma IPO.

Em termos mundiais, são poucas as terapias gênicas que atualmente têm o selo de aprovação das autoridades sanitárias. Mas, segundo analistas da Datamonitor Healthcare, o número de terapias desse tipo em desenvolvimento dobrou desde 2012. A mais forte candidata a receber aprovação integral nos EUA é a SPK-RPE65, da Spark Therapeutics, que reverte a cegueira causada por disfunção retiniana hereditária.

A questão é que a maioria das doenças genéticas é extremamente rara. Considere-se o caso da terapia Strimvelis, que o laboratório britânico GSK tem autorização para comercializar na Europa. O tratamento, desenvolvido pelos pesquisadores do San Raffaele, cura a síndrome de imunodeficiência combinada severa (ADA-SCID), que geralmente causa a morte no primeiro ano de vida, uma vez que seus portadores são extremamente sensíveis a infecções. Em todo o continente europeu, apenas 15 recém-nascidos (popularmente conhecidos como “crianças da bolha”) por ano são diagnosticados com o problema. Será um desafio enorme criar produtos financeiramente viáveis para mercados de proporções tão reduzidas.

Preço. O GSK ainda não divulgou quanto pretende cobrar pela Strimbelis, mas o anúncio é aguardado com interesse pelo setor farmacêutico. Martin Andrews, diretor de doenças raras da empresa, diz que não faz sentido lançar no mercado um tratamento pelo qual ninguém tenha condições de pagar. Por isso, seu preço deve ser o mais baixo possível.

Mas a companhia também precisa obter o retorno de seu investimento, observa o executivo. Nosegmento, ninguém se esqueceu da sorte reservada ao Glybera, primeira terapia gênica a ser comercializada na Europa. O tratamento cura uma disfunção genética que provoca acúmulo perigoso de gordura no sistema sanguíneo. Lançado em 2012, ao preço de US$ 1 milhão, o produto foi adquirido uma única vez, entrando para os anais dos grandes desastres comerciais da indústria farmacêutica.

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Há quem diga que os custos do desenvolvimento de terapias caras como essas poderiam ser amortizados ao longo de vários anos. Outra ideia é dividir entre as operadoras de planos de saúde o risco de ter de pagar por elas. Segundo Andrew Chadwick-Jones, da consultoria Oliver Wyman, a indústria farmacêutica seria beneficiada pela adoção de um modelo “baseado em resultados”, capaz de demonstrar que, mesmo com preços elevados, certos tratamentos teriam o potencial de reduzir os custos totais dos planos de saúde. As operadoras veriam que, no longo prazo, é mais barato desembolsar somas consideráveis para arcar com a cura proporcionada por terapias gênicas do continuar bancando o custo de tratamentos tradicionais para doenças crônicas e incuráveis. Assim, concordariam em pagar preços que garantiriam o lucro dos laboratórios.

Pressão. Andrews aposta que, com o passar do tempo, um número maior de pacientes também estimulará os laboratórios a encontrar soluções mais criativas. O GSK, por exemplo, enxerga na automação uma maneira de reduzir os custos dos tratamentos que envolvem terapia gênica. Keith Thompson, CEO da Cell and Gene Therapy Catapult, uma aceleradora de startups financiada pelo governo britânico, diz que no momento há uma “corrida mundial” para ver quem consegue fazer isso melhor e mais rápido.

A entidade está investindo £ 55 milhões (US$ 73 milhões) na construção de um centro industrial em Stevenage, cidade ao norte de Londres, para ajudar desenvolvedores interessados na industrialização de terapias gênicas. Ainda levará anos para que esses processos ganhem escala industrial, mas um novo capítulo na história da medicina, e talvez do modelo da indústria farmacêutica, começou a ser escrito.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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