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Desenvolvimento rural - ainda é possível?

Por Antônio Márcio Buainain
Atualização:

Em artigo publicado neste jornal (15/2), o sociólogo Zander Navarro pergunta-se se seria válido o esforço para promover o desenvolvimento rural no Brasil. Ele indica dois cenários: a "argentinização, com o gradual esvaziamento do campo, a supremacia da agricultura de larga escala e o empilhamento da população migrante em poucas, mas grandes regiões metropolitanas", ou o "caminho europeu, no qual as regiões rurais mantêm alguma densidade social e produtiva, associadas à teia de cidades pequenas e médias espalhadas pelo território". Sugere um conjunto de "medidas corajosas", as quais subscrevo na íntegra, e que permitiriam "sonhar com o vasto interior povoado". Essa política seria possível? Tenho muitas dúvidas.É preciso entender os motores do esvaziamento rural e desmistificar a associação entre o dinamismo agropecuário, o aumento da desigualdade fundiária e a migração rural-urbana que alimenta o crescimento e a pobreza urbana, como erroneamente sustenta artigo publicado na Nature Climate Change (20/12/2013). Rodolfo Hoffmann, especialista no assunto, comparou os censos desde 1975 e confirmou que as mudanças no sistema de uso da terra não afetaram a distribuição da propriedade, que é concentrada como sempre foi. O mesmo vale para o processo migratório, cujo saldo vem caindo de censo para censo, e já não explica o crescimento urbano.O esvaziamento se deve à marginalização do campo, ao "fato de o Brasil nunca ter tido uma política de desenvolvimento rural", como afirma Navarro. Se isso não ocorreu quando a população e os eleitores rurais somavam um contingente importante, por que autoridades que tomam decisões em função das eleições, de maneira imediatista e populista, estariam agora interessadas em investir e promover o caminho europeu? O Brasil não tem uma rede de estradas vicinais, que na Europa vem sendo construída desde a Idade Média e que ainda hoje recebe investimentos. E como pensar em estrada vicinal num país que ainda não conseguiu duplicar a BR-101, que interliga as principais capitais e cidades e pela qual transita metade do PIB?A comparação dos indicadores socioeconômicos dos meios urbano e rural mostra um abismo quase intransponível entre os dois mundos. Educação, saúde, infraestrutura básica, tudo é muito mais deficiente no campo. Por que os jovens rurais, que hoje assistem aos mesmos programas de TV que os jovens urbanos, sonham em comprar sua motocicleta e conquistar o mundo, optariam por permanecer no meio rural, marcado pelo atraso estrutural, trabalho duro, cansaço, pobreza e o abandono do Estado e de governantes, que por lá só passam em época eleitoral? Paradoxalmente, a migração é mais forte onde a agricultura familiar é bem-sucedida, pois os jovens têm melhores condições de vida, nível de escolaridade mais elevado e optam pelas cidades onde encontram mais oportunidades. Os mais empreendedores também saem e no campo ficam os velhos, os analfabetos, aqueles com menor escolaridade e os mais acomodados, que se ajeitam com trabalhos esporádicos, uma bicada da aposentadoria dos pais e avós, uma bolsa qualquer.Independentemente do cenário, um número cada vez maior de pessoas viverá na cidades, mesmo sendo agricultor, pequeno ou grande proprietário. Poucos ficarão no campo, a maioria por falta de opção urbana acessível. E basta um passeio pelas pequenas cidades para confirmar o empilhamento populacional, que se traduz em desocupação, subocupação, violência e drogas. Nesse sentido, o desenvolvimento rural requer muito mais do que eliminar o "nefasto hibridismo ministerial", como sugere o professor Navarro; requer coordenação e racionalização das políticas públicas e entes locais fortes, com capacidade financeira e operacional para construir e manter estradas, prover educação básica de qualidade, manter um médico no posto de saúde, uma delegacia e seus serviços, implantar locais de lazer público, de esporte e cultura. E basta ver as condições da maioria dos municípios para constatar que o sonho do professor Navarro é quase impossível de realizar.*Antônio Márcio Buainain é professor de economia na Unicamp. E-mail: buainain@eco.unicamp.br.

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