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Disrupção, o bicho-papão da tecnologia

Universo corporativo anda obcecado com impactos da tecnologia, mas efeito sobre lucros até agora foi pequeno

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Por Redação
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Há duas semanas, The Economist esteve com dois potentados do setor de tecnologia que têm sob seu comando empresas com um valor total de US$ 600 bilhões. O lufa-lufa em torno de ambos lembrava o alvoroço que se instala com a passagem de Beyoncé por um lugar; faltavam só o talento musical e a beleza. Andares inteiros dos hotéis em que os dois se encontravam haviam sido interditados por agentes do serviço secreto americano; fiéis formavam fila nos corredores; em determinado momento, um importante executivo de Wall Street chegou a furar o cerco e entrar no quarto para abraçar seu ídolo.

Jeff Bezos expandiu os negócios da Amazon ao comprar a rede de supermercados Whole Foods Foto: Michael Nelson/EFE - 5/8/2013

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A mensagem dos dois titãs é de inspirar medo no comum dos mortais. Ao longo dos próximos dez anos, dizem eles, empresas da área de tecnologia tomarão de assalto setores convencionais da economia, empregando recursos financeiros astronômicos, novas tecnologias e bancos de dados gigantescos para praticar verdadeiro massacre. Trata-se de visão prevalecente também nos conselhos de administração das companhias tradicionais, onde o entusiasmo com a realidade virtual e os encômios ao presidente e CEO da Amazon, Jeff Bezos, são praticamente obrigatórios. A noção de disrupção, com sua promessa de desestabilização e destruição, seguida de renovação, é o modismo que se alastrou com mais força pelos círculos empresariais globais desde que, há mais de uma década, esses mesmos círculos foram tomados pela euforia com os mercados emergentes.

Apesar disso, no cerne da ortodoxia jaz um enigma. Poucos empresários, em público ou a portas fechadas, dizem trabalhar com a hipótese de que suas companhias estejam caminhando para o declínio. E quase nenhuma empresa americana é tratada pelos investidores como se seus lucros fossem desabar. Ao que parece, embora avassaladora, a próxima revolução tecnológica será inofensiva e não fará vítimas corporativas. Há algo de errado nessa equação.

Se a disrupção diz respeito à situação de alguns segmentos, em que companhias convencionais mostram-se incapazes de concorrer com empresas digitais, a tese até que se sustenta. No mês passado, a Toys “R” Us foi à falência, juntando-se a diversas varejistas de moda que sucumbiram ao comércio eletrônico. Em 23 de agosto, a agência de publicidade WPP viu suas ações sofrerem forte queda depois de anunciar que seus clientes estavam cortando custos por causa, em parte, de mudanças tecnológicas. Alguns dias mais tarde, a Amazon selou a aquisição da rede de supermercados Whole Foods, baixando drasticamente seus preços e disseminando terror entre as gôndolas das varejistas de alimentos.

A inovação digital desestabilizou pelo menos seis setores convencionais nas últimas duas décadas: música, locação de filmes, livros, táxis, jornais e varejo de moda. Em termos financeiros, as sobreviventes foram reduzidas a mera sombra do que haviam sido no passado. Os lucros da New York Times Company recuaram 67%. Coisa parecida aconteceu com a Barnes & Noble (76%) e a Universal Music (cerca de 40%). Ocorre que as empresas desses segmentos nunca foram exatamente gigantes. Em 1997, quando Mark Zuckerberg tinha 13 anos e as coisas iam às mil maravilhas nas seis áreas de atividade, suas representantes de maior porte eram responsáveis por apenas 2% dos lucros gerados por empresas do S&P 500.

Se a disrupção tecnológica estivesse prestes a desferir novo e mais devastador ataque contra as empresas tradicionais, seria de se esperar que muitas delas apresentassem valorizações medíocres, uma vez que os investidores já teriam descontado a queda de seus lucros. Salvo em raros casos, porém, não é isso que se vê. Entre as empresas do S&P 500, só em torno de 40 têm um índice preço/lucro (P/L) inferior a 12, visto como sinal de declínio iminente. Trata-se mais ou menos da mesma proporção observada há duas décadas.

Só em dois setores de atividade os preços das ações embutem a expectativa de uma carnificina. O valor de mercado da General Motors e da Ford, por exemplo, corresponde a sete vezes seus lucros. Os investidores acreditam que as duas montadoras perderão participação de mercado para a fabricante de veículos elétricos Tesla. Também esperam que a própria demanda por automóveis caia em razão dos aplicativos de transporte alternativo. Já no caso das companhias aéreas, que estão igualmente muito baratas, o que o mercado teme é uma guerra de preços e a adoção de normas antitruste mais rígidas, não uma disrupção.

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Em muitos outros setores que supostamente estão na linha de tiro do Vale do Silício, a situação é bem mais tranquila. Considere-se o segmento de televisão, onde Amazon, Netflix, YouTube e Apple vêm gastando rios de dinheiro com aquisições e novas produções. Há, sem dúvida, preocupação com o fato de os consumidores estarem trocando o cabo pelo streaming, mas, em termos agregados, as ações das principais operadoras de TV a cabo e produtoras de conteúdo vêm sendo negociadas a múltiplos de 20 vezes, sinal de que os investidores apostam que seus fluxos de caixa continuarão crescendo. Da mesma forma, os grupos hoteleiros, em vez de estarem sendo massacrados pelo Airbnb e pelas agências de turismo online, apresentam índices P/L tão robustos como há dez anos.

A lista não para por aí. As gigantes dos cartões de crédito, Visa e MasterCard, vão de vento em popa e, juntas, valem quase tanto quanto a Amazon: nada indica que estejam sofrendo com a ação das operadoras de pagamentos digitais. A história é mais ou menos a mesma por todo lado, seja entre os grandes bancos (que deveriam estar sofrendo o assédio das fintechs), seja entre as geradoras e distribuidoras de energia elétrica (hipoteticamente ameaçadas por baterias e redes elétricas inteligentes): as valorizações mostram que o mercado não está esquentando a cabeça.

Em vez de massacre, acomodação. Ao que parece, os investidores acreditam que entre os titãs de tecnologia e as gigantes dos demais setores haverá algum tipo de acomodação, não um embate sangrento. Os índices P/L das cinco maiores empresas de tecnologia (Apple, Amazon, Alphabet, Facebook e Microsoft) sugerem que em dez anos sua participação no total de lucros corporativos subirá de 7% para 13%. Espera-se que elas mantenham por várias décadas ainda um controle quase monopolista sobre produtos que despertam enorme interesse do público, como os mecanismos de buscas e as mídias sociais, mas não que venham a meter a pique as corporações americanas mais tradicionais.

É uma expectativa razoável. Muitos dos setores em que essas gigantes atuam têm elevadas barreiras de entrada. Dois deles, o de bancos e o de saúde, são cercados por complexos alambrados normativos. E as empresas tradicionais não estão marcando passo. A maior parte delas, do Walmart à General Electric, atualmente dispõe de unidades digitais ou de comércio eletrônico. E seu investimento em pesquisa e desenvolvimento é cinco vezes superior ao das cinco grandes companhias de tecnologia.

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Nada garante, porém, que o equilíbrio perdure indefinidamente. Tanto as inovações tecnológicas quanto a desregulamentação de determinados mercados podem deixar as empresas de tecnologia em situação mais favorável para atacar as companhias tradicionais. Por sua vez, se o boom de tecnologia se tornar uma bolha especulativa, os executivos do setor serão pressionados a baixar sua taxa mínima de retorno e investir muito mais pesado em segmentos tradicionais. Enquanto se deixarem guiar pela razão, resistirão à tentação. O problema é que qualquer um que permaneça trancado num quarto de hotel, cercado por admiradores, corre o risco de perder o senso de medida e proporção.

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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