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Dívida privada é ameaça para a Europa

Soma das dívidas de famílias e empresas chega a 255% do PIB em vários países

Por Andrei Netto
Atualização:

    Enquanto o mercado financeiro vive a instabilidade causada pela crise das dívidas públicas na União Europeia, uma bomba de efeito retardado está armada para explodir em parte dos 27 países do bloco: o endividamento privado.

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Em Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Itália e Grécia, a soma das dívidas contraídas nos anos 1990 e 2000 por famílias e empresas varia entre 130% e 255% do Produto Interno Bruto (PIB), expondo o sistema financeiro ao risco das falências privadas.

A advertência mais recente para o problema foi feita pela agência de classificação de risco Fitch Ratings, em seu último relatório sobre a Espanha. A análise do risco, entretanto, não é nova. Dados do Escritório Estatístico das Comunidades Europeias (Eurostat) relativos a 2008 já alertavam para a dimensão do perigo instalado na economia no bloco.

Naquele ano, a dívida acumulada das famílias e das empresas em Portugal atingia 255% do PIB, um recorde continental. Na Espanha, o total representava 220% das riquezas do país. De lá para cá, esses números não sofreram alterações significativas.

E o superendividamento vai bem além do chamado "club med", o grupo de países do Mediterrâneo que expôs a Europa à crise de confiança nos mercados internacionais. No Reino Unido, está na casa de 185%. Na França, o volume de dívidas de companhias e famílias chega a 159% do PIB, à frente de países tidos como menos rigorosos: a Itália, com 138%, e a Grécia, com 130% de endividamento. Até na Suíça, cujo governo se orgulha de manter a dívida pública sob controle, o endividamento privado é ainda maior do que o dos britânicos.

Na maior parte dos países da UE, o problema se concentra na excessiva contração de dívidas imobiliárias, que em média representam 70% do PIB.

Crédito fácil. Nesse quesito, a Espanha é o melhor exemplo. Movida por vantagens fiscais, oferta abundante - hoje há excedente de imóveis em cidades como Madri - e pela "cultura da propriedade", ou seja, a histórica ambição à casa própria, a população espanhola se fartou ao longo de 15 anos. Os contornos da crise ficaram mais claros a partir de 2000, quando o nível de endividamento familiar na Espanha - não incluídas as empresas do país - chegou à marca de 68,8% do PIB.

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Nessa época, a bolha imobiliária elevava os preços dos imóveis ao ritmo de 12,8% por ano, mas o crédito fácil, com linhas de financiamento de 40 e até 50 anos, seguia agregando compradores. O montante seguiu crescendo no governo de José Luis Zapatero. Em 2004, o endividamento das famílias já chegava a 98,7% do PIB. A fatura mais elevada veio em 2007, com a explosão da bolha: dívidas de 129,9%. Hoje o nível é um pouco inferior: 127,8%.

O nível alarmante das dívidas privadas em toda a Europa - e também nos Estados Unidos e no Canadá - é um dos maiores desafios dos Estados, tão logo a tempestade nos mercados financeiros tenha passado. A opinião é de Philippe d"Arvisenet, diretor de Estudos Econômicos do banco BNP Paribas.

Para ele, o eventual descontrole do endividamento familiar e das empresas pode resultar na necessidade de aumento das taxas básicas de juros pelo Banco Central Europeu (BCE). "E quem fala em aumento das taxas de juros fala em aumento da dívida pública, o que levaria a uma espiral negativa."

Outra razão importante para controlar o endividamento privado é reduzir o nível de exposição dos bancos. Ao lado da dívida soberana e das dívidas interbancárias, a dívida das famílias e das empresas forma o tripé que expõe o sistema financeiro à crise de endividamento na Europa.

O tema mereceu destaque no último relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nele, Pier Carlo Padoan, economista-chefe da entidade, classifica as dívidas privadas com uma expressão que causa calafrios na União Europeia: "fonte de risco".

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