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Do vinho de garrafão a prêmios globais

Técnica desenvolvida por agrônomo da Epamig mudou o cultivo de uvas no Sudeste e abriu espaço para a produção de vinhos finos na região

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Por Redação
Atualização:
Marcon: demanda por vinhos e serviços hoje é maior do que capacidade de produção Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O agrônomo Luiz Henrique Marcon puxa algumas uvas da parreira e convida: “Experimenta só! Doce, delicada e com notas tão sutis, tem como sair um vinho ruim daqui?” Marcon abre o sorriso, enquanto mostra as caixas de plástico que os agricultores acabaram de encher com cachos sauvignon blanc, em um dos 43 hectares de parreirais da Casa Geraldo, em Andradas, sul de Minas. Naquela tarde de sol, começava a colheita de inverno na vinícola fundada por seu avô e as expectativas não podiam ser melhores.

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Desde que as primeiras parreiras de vinho de garrafão começaram a ser trocadas pelas desenvolvidas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), há cinco anos, a situação da vinícola mudou. Com um espumante moscatel premiado, um restaurante que recebe 2 mil visitantes por mês (pagando por visitas guiadas aos parreirais, à vinícola e à cave), 25% mais funcionários e equipamentos de vinificação funcionando o ano inteiro, o risco de ter de deixar de produzir, que rondava a Casa Geraldo há alguns anos, agora é passado. 

“Se hoje não temos vinho para suprir o mercado tamanha a demanda, é graças à Epamig”, diz Marcon. “Se não fosse por eles, íamos ficar com fama de fabricantes de vinho de garrafão pelo resto da vida.”

A virada aconteceu particularmente graças ao trabalho do agrônomo Murillo de Albuquerque Regina, de 57 anos. Ainda durante sua graduação, Murillo decidiu que se dedicaria às frutas porque a cultura mantém o homem no campo. “Não se trata de uma máquina semeando e de outra colhendo”, diz. “Cada espécie de fruta precisa de uma poda, uma adulação.” Em outras palavras: mão de obra treinada, qualificada e um pouco mais bem remunerada.

Especializações, mestrado, doutorado e pós-doutorado feitos na Europa, quando já era pesquisador da Epamig, ligaram Murillo ao universo do vinho. Na mesma direção caminhou o instituto de pesquisa em Caldas, no qual ele trabalha há 33 anos. Até os anos 1980, os trabalhos abrangiam também frutas como pêssego, figo e ameixa. 

Mudança. Foi no campo ao lado do prédio imponente da Epamig, inaugurado em 1936 por Getúlio Vargas, que Murillo desenvolveu a técnica da dupla poda. Em condições normais, as videiras produzem frutos no verão e adormecem no inverno. Com a dupla poda, elas dão uma pequena colheita de verão e uma grande safra no inverno, quando o clima é mais adequado ao amadurecimento das uvas para vinho. “As parreiras, que davam de 15 a 20 cachos numa safra, chegaram a 54”, diz Isabela Peregrino, enóloga da Epamig.

A técnica já era usada na produção de uvas de mesa no Nordeste brasileiro e em países como Tailândia e Venezuela. Ao inverter o ciclo, os produtores conseguem colocar uvas no mercado na entressafra. 

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A técnica nunca havia sido aplicada, porém, em uvas viníferas. Para alguns especialistas, esse procedimento reduz o tempo de vida da parreira. Ele também só ocorre com o uso intensivo de fito-hormônios, que “engana” o fruto e estimula a produção no inverno.

As primeiras pesquisas só foram realizadas graças à doação de mudas de um produtor italiano. “Iniciamos os testes com variedades aleatórias”, diz ele. “A Syrah foi a primeira que explodiu com vigor.” Produtores, fabricantes de insumos e prefeituras ajudaram na pesquisa, estimulados pelas perspectivas de triplicar a produtividade. 

Provado o sucesso das uvas e do vinho, a demanda pelo trabalho da Epamig é hoje três vezes superior a sua capacidade de atendimento. Além de produzir e vender mudas, a empresa vinifica e faz pesquisas junto a viticultores. Além de São Paulo e Minas, produtores de Goiás, Rio de Janeiro e Bahia já usam a técnica. “As regiões de altitude, com outono e invernos secos, dias ensolarados e noites frias, se prestam para fazer esse tipo de vinho”, afirma o agrônomo. 

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