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Dois mil carros para testar e destruir

Montadoras brasileiras produzem - e descartam - 2 mil protótipos por ano

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BETIM - Um Bravo amarelo T-Jet, com bancos ainda envoltos em plástico, painel com instrumentos e o típico cheiro de carro novo aguarda ao lado de várias unidades do novo Uno, Palio Weekend e Stilo. Parece o estacionamento de uma oficina para pequenos reparos. O Bravo, cujo preço de tabela é de R$ 68,9 mil, tem apenas o farol esquerdo avariado. Esses modelos, no entanto, estão na fila do sucateamento da área chamada de cemitério no pátio da Fiat em Betim (MG).

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É para lá que vão os carros protótipos construídos para testes que a montadora produz antes de iniciar a fabricação em série de um novo modelo. Eles passam por uma bateria de testes nos laboratórios, pistas exclusivas e nas ruas - depois são descartados. Embora seja uma cena comum nas montadoras, causa pena até mesmo em profissionais experientes.

"Não gosto de passar por essa área, pois chego a ter vontade de chorar", diz Robson Neves Cotta, gerente da área de Engenharia de Produto - Experimentação da Fiat. O engenheiro de 54 anos trabalha há 29 anos na montadora.

Destruir carros é uma das etapas do processo de nascimento de um automóvel. Quanto mais lançamentos as montadoras têm programados, mais unidades vão virar sucata, pois o volume de modelos feitos para testes é maior e, por princípio, nenhum deles pode ir para o mercado. Só este ano, as principais montadoras destruíram mais de 2 mil protótipos. O número recorde é um atestado da importância que o Brasil ganhou nas corporações internacionais.

Como quarto maior mercado mundial e prestes a encerrar o ano com vendas de quase 3,7 milhões de veículos, as subsidiárias têm recebido aval das matrizes para desenvolver veículos para o mercado local e também modelos globais. A Ford está em fase de conclusão do novo EcoSport, que será produzido em cinco países, e a General Motors acaba de lançar o Cobalt, que será fabricado em três países, além da picape Colorado e do utilitário Trailblazer.

Todas as grandes montadoras têm fábricas de protótipos no Brasil, em áreas isoladas da planta oficial. A exceção são as que não desenvolvem produtos locais, como Toyota e Honda. Esses prédios são os mais protegidos, com acesso controlado por crachás especiais, câmeras e segurança 24 horas, inclusive nos fins de semana.

O novo Palio teve 526 protótipos produzidos para testes antes de chegar às lojas, na semana passada. Esses carros percorreram 1,7 milhão de quilômetros. Passaram por diversos testes, como de ruídos, alcance da luz do farol, rodagem e consumo de combustível.

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Concluída a etapa de validação, algumas unidades são guardadas, mas a maioria vai para o cemitério, onde passa por processo de retirada de líquidos e desmontagem de peças, que são inutilizadas para evitar que voltem ao mercado paralelo. As chapas são amassadas e enviadas para reciclagem, normalmente em usinas de aço.

Fábrica de protótipo. Pela primeira vez, a Fiat autorizou a entrada de um jornalista em sua fábrica de protótipos, que funciona desde o início da operação da montadora no País, mas nos últimos anos recebeu diversos equipamentos de alta tecnologia, como um scanner que mede as peças em três dimensões.

Uma sala específica mede o desgaste do veículo. O carro fica rodando em uma plataforma por 20 dias, simulação que equivale a dez anos de uso do automóvel, além de câmaras que reproduzem temperaturas que vão do frio do Alasca ao calor do deserto do Saara.

A condição da visita era não fazer imagens nem divulgar dados sobre os modelos. Alguns deles chegarão ao mercado só daqui a dois ou três anos. Por todo o prédio há carros camuflados - aqueles muitas vezes flagrados nas ruas com tintura quadriculada, plásticos deformando a aparência e artifícios para ocultar detalhes até o lançamento. Câmeras acompanham cada movimento de quem anda pelo prédio.

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A unidade de protótipos da Fiat tem 350 funcionários - 150 deles engenheiros e técnicos. Parte deles se debruçou no projeto do novo Palio, que é mais alto, mais largo e mais comprido que o anterior. Sem contar o tempo de criação do design, na Itália, o desenvolvimento durou 26 meses e consumiu R$ 1 bilhão. Antes, passava dos 30 meses. A redução é resultado principalmente do uso de programas de computador, que conseguem simular aspectos do produto em condições próximas da real.

"Esse é o prazo mínimo que se pode atingir no Brasil para a criação de um novo carro, pois há limites estruturais, um deles o dos fornecedores", diz Claudio Demaria, diretor de Engenharia de Produto da Fiat. Na Europa, o tempo médio de desenvolvimento é de 24 meses. Segundo ele, o desafio é ampliar o uso do trabalho virtual para reduzir custos. O desenvolvimento de um protótipo chega a custar R$ 1 milhão.

Segundo Cotta, a filial brasileira não depende mais da Itália para desenvolver veículos, mas utiliza os laboratórios europeus para simulação de batida (crash test). "Já tínhamos uma área de experimentação desde o início da fábrica, mas ela foi evoluindo e hoje conseguimos desenvolver um carro completo aqui."

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A fábrica de protótipos também testa modelos para a matriz. Por isso, pode-se ver veículos que não serão vendidos no Brasil, como um Alfa Romeo 159. Em breve, o supercarro voltará à Itália, onde vai virar sucata.

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