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‘É importante que agenda de reforma fiscal seja mantida’

Para Kawall, governo deve persistir nesse objetivo, com destaque para Previdência e para teto nos gastos federais

Por Ricardo Leopoldo
Atualização:
'É pior sinalizar abandono', diz Carlos Kawall Foto: André Dusek/Estadão

Apesar da grave crise política, seria importante o governo continuar com sua agenda de reforma fiscal e enviar propostas para o Congresso como havia programado, aponta Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra. Em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, ele destaca ser fundamental o Poder Executivo persistir nesse objetivo, sobretudo com a reforma da Previdência e a adoção de teto de gastos federais previstos em lei. “Acho que o governo tem de mostrar que tem sua agenda. Será pior sinalizar o abandono.”

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Kawall, contudo, avalia que o Congresso deve ter como prioridade a agenda política nos próximos meses. Para ele, não deverá ocorrer o impeachment de Dilma Rousseff. Como a crise está muito aguda, ele acredita que as principais forças políticas farão um movimento de concertação para evitar que a recessão se prolongue para 2017 e 2018. A seguir, trechos da entrevista.

Como o sr. avalia o atual momento da crise?

O PIB de 2015 mostrou que estamos numa crise sem paralelo na história recente da economia. E isso bate na crise política e na questão da governabilidade. Estamos chegando quase num momento de impasse político, levando eventualmente a uma paralisia das decisões do Congresso no curto prazo. Pode ser mantido o ajuste fiscal estrutural que o Ministério da Fazenda anunciou que enviaria ao Congresso, com teto de gastos e reforma da Previdência, mas as chances de avançar este ano são limitadas.

O Congresso não estará operacional nos próximos dois meses?

É o que está sugerido. Entramos agora sobretudo no acompanhamento de uma agenda política. Acho que o governo tem de mostrar que tem sua agenda. Será pior se sinalizar o abandono. Se o governo abraçar as propostas do programa alternativo (do PT) vai gerar um agravamento do cenário econômico muito expressivo, com alta do dólar e o BC impedido de baixar os juros. A restauração da governabilidade, seja via um processo de impeachment da presidente Dilma ou não, é a condição sine qua non para recuperar a agenda econômica indispensável a ser debatida pelo Congresso.

O sr. não conta com o impeachment da presidente Dilma?

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Exato. Não trabalhamos com o cenário-base de impeachment da presidente.

O dólar na sua avaliação deve chegar a R$ 4,20 no fim do ano. Mas os desdobramentos políticos podem mudar o patamar?

Pode ser R$ 3,30, R$ 3,50? Pode. Pode ser R$ 4,80, R$ 5,00? Pode. Tudo vai depender de sairmos desse impasse político. É difícil dizer a tendência. Há um comportamento bem menos volátil do que no ano passado. Isso está ligado ao Fed mais benigno na condução da política monetária em 2016, como também ao fato de que nossa conta corrente melhorou brutalmente, com investimento direto bem robusto. Por outro lado, a incerteza política puxa na direção de um dólar mais alto.

Como fica o Copom?

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No compasso de espera. O BC está vendo essa apreciação do câmbio que não sabemos se é momentânea. Mas vemos que as expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus pararam de piorar, a atividade infelizmente continua muito deprimida, os indicadores antecedentes mostram que fevereiro poderá ter uma retração muito forte da indústria. O BC continuará acompanhando a evolução dos indicadores. Acreditamos em queda da Selic nas duas últimas reuniões do ano e a taxa chegará a 13,25%.

Para este ano, o sr. projeta que o IPCA subirá 7,2%, com nova queda do PIB de 3,8%. Com a profunda recessão, a inflação poderá ser menor em 2016?

Se tiver um câmbio na média do ano 10% menor, passando de R$ 4,10 para R$ 3,70, por exemplo, poderá ter uma inflação de 6,70% em 2016. Isso ocorreria bem mais pelo cenário político, no sentido de conseguir até meados do ano uma conjuntura que permita restaurar a governabilidade. Seria um cenário no qual chegaríamos em dezembro com a percepção de que a reforma da Previdência Social será aprovada.

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Como o sr. avalia a perspectiva de investimentos em infraestrutura via concessões neste ano?

Difícil. Há um aumento forte do risco Brasil e o encarecimento do custo do capital. Temos problemas em vários empreendimentos já licitados pelas empresas envolvidas na Lava Jato. E há também incerteza em relação à economia.

No cenário político conturbado, o sr. vê mais quedas de rating do País neste ano?

As agências já agiram. A Fitch pode reduzir, pois está num nível acima de Moody’s e S&P. Se todas ficarem no mesmo nível, duplo B é um rating que parece ser suficiente para o que estamos vivendo. Digamos que nada avance até o fim do ano, aí virá mais downgrade. Se houver mais radicalização da política econômica, na direção das propostas alternativas, aceleraria o downgrade. Caso isso não ocorra, talvez poderá ser no início do próximo ano.

A crise tão profunda pode gerar um movimento de concertação política?

Eu sou otimista. Pela maneira como a situação está ficando aguda, haverá uma conjunção de fatores nesse sentido. Vai ter de ocorrer, de um jeito ou de outro. Eu não acredito que a atual situação ficará assim até 2018. Há projeções de que a dívida bruta pode chegar a quase 90% em alguns anos, mas não acho que vai acontecer. Agora, é importante mostrar que se não fizer nada, vamos para o caminho da insolvência. Mas não acredito que isso vai ocorrer.

O sr. fez um trabalho que defende a melhor relação entre Tesouro e BC. Poderia explicá-lo?

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Há um estudo que já está sendo feito no Banco Central de criar um depósito remunerado dos bancos com o qual o BC poderá enxugar o excesso de liquidez gerado sobretudo pela compra de reservas internacionais, sem usar operações compromissadas. A experiência internacional mostra que isso torna o BC menos dependente do Tesouro. Mas o que está prejudicando o nosso risco, não é o nível da dívida pública, de 67% do PIB, mas sim a trajetória. O que vai resolver esse problema são as reformas estruturais.

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