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Economistas entre a teoria e os dados

A economia em geral está mais parecida com uma ciência do que com uma filosofia; em macroeconomia, contudo, esse processo é mais lento

Por Noah Smith
Atualização:

"Na prática, a teoria é outra." Esta piada é tão comumente aplicada a economistas que ninguém sabe quem foi o autor original. A ideia se encaixa no estereótipo de economistas como filósofos desinformados obcecados por teoria que gastam tempo discutindo sobre o que ocorreria num mundo artificial idealizado por eles, enquanto ao seu redor o mundo real se desenrola de uma maneira absolutamente diferente.

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Se esse estereótipo foi um dia verdadeiro, ele com certeza não é mais. Estudos empíricos estão tomando o lugar de estudos teóricos na literatura econômica, e os métodos usados para determinar causa e efeito estão se tornando cada vez mais científicos. O grande fator transformador é a tecnologia da informação, que colocou o mundo inteiro no laboratório dos economistas. Assim, a economia em geral está ficando mais parecida com uma ciência do que com uma filosofia.

Agora, em macroeconomia - o estudo de ciclos de negócio e crescimento no longo prazo - essa mudança tem sido muito mais difícil e mais morosa. A razão é que em macroeconomia há simplesmente muito menos dados. A história só acontece uma vez e é difícil saber em que medida o futuro será como o passado. Para piorar, tampouco dispomos de muitos dados deste - só estamos coletando bons registros há menos de um século.

Onde há menos dados, seria de esperar que a teoria se expandisse para preencher a lacuna. E, de fato, a macroeconomia é o principal campo de batalha de uma briga eterna sobre o que deveria estar no comando, a teoria ou as evidências. Ed Prescott, o economista ganhador do Nobel, declarou famosamente em 1986 que a teoria estava "à frente" da medição na teoria dos ciclos econômicos. Desde a crise financeira, porém, tem havido um clamor para colocar os dados no seu merecido lugar.

Estudos empíricos estão tomando o lugar de estudos teóricos na literatura econômica

O economista Barry Eichengreen da Universidade da Califórnia, em Berkeley, escreve: "Enquanto membros mais velhos do establishment econômico continuam a debater os méritos de estruturas de análise concorrentes, economistas mais jovens estão criando novas e importantes evidências sobre como a economia opera... Estes desenvolvimentos significam uma mudança radical na (macro)economia. Há apenas duas décadas, a análise empírica era informada por conjuntos de dados relativamente pequenos e limitados. Evidentemente, (as teorias) ainda são necessárias para ajudar e entender os dados. Mas agora há razões para esperar que, no futuro, as conclusões e recomendações políticas de economistas serão conformadas não pela elegância dessas estruturas, mas por sua capacidade de se encaixar nos fatos."

Como exemplos da nova abordagem, ele cita alguns esforços para usar a internet para obter dados mais abrangentes como o Billion Prices Project do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que computa uma medida mais precisa da inflação do que o índice de preços ao consumidor. Ele também menciona os pesquisadores que estão escavando mais fundo em dados históricos e examinando com maior atenção as instituições políticas.

Creio que Eichengreen está certo ao dizer que a macroeconomia está pronta para sua própria revolução empírica. Mas creio que a avalanche de dados é muito mais ampla que as fontes que ele identifica. A lista de macroeconomistas heroicos que trabalham para mudar o incognoscível aumenta a cada dia.

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Por exemplo, considere-se o trabalho das estrelas em ascensão Emi Nakamura e Jon Steinsson da Universidade Columbia. A dupla dinâmica formada por Nakamura e Steinsson se dispôs a investigar a ideia de que a "rigidez nominal" dos preços - a inabilidade dos preços para se ajustarem às condições econômicas cambiantes - é um importante fator para causar recessões. Quanto mais rígidos os preços, mais uma queda na demanda agregada prejudicará a economia Nakamura e Steinsson descobriram que muitos dos preços não rígidos na economia estão concentrados em alguns itens, como gasolina, ou são o resultado de liquidações e descontos temporários.

Quando se consideram estes padrões de preço, os preços totais da economia parecem muito mais rígidos do que economistas anteriormente pensavam. Isso significa que a demanda agregada - a mesma força de que Paul Krugman fala constantemente em seu blog - é um fator mais importante do que os economistas anteriormente pensavam. Isso explica também que políticas como afrouxamento monetário e estímulo fiscal serão eficazes para se contrapor ao efeito da rigidez de preços e para tirar a economia da recessão. Outras equipes de economistas, usando metodologias diferentes, descobriram recentemente padrões muito similares. Os adversários do afrouxamento monetário e do estímulo fiscal terão de enfrentar esses fatos.

Outro exemplo é a obra de John Haltiwanger da Universidade de Maryland. Haltiwanger é um pioneiro no uso de dados microeconômicos para conseguir insights macroeconômicos. Ele é incrivelmente prolífico. Apenas nos últimos anos, ele e um pequeno exército de coautores estiveram esmiuçando os dados para encontrar que tipos de companhias contratam trabalhadores, por que o setor de negócios americano é menos dinâmico do que já foi, se o capital privado aumenta a produtividade e algumas outras questões que nos dizem muito sobre o que está ocorrendo de fato em nossa economia.

O trabalho de Haltiwanger apaga as linhas divisórias tradicionais entre "macroeconomia" e "microeconomia" e coloca na roda dados que teriam sido ignorados por teóricos macroeconômicos tradicionais focados em agregados amplos como Produto Interno Bruto e desemprego.

Quando se compara o trabalho com dados de economistas como esses com as pinceladas amplas de teóricos macroeconômicos, não é difícil perceber onde estão sendo feitos progressos reais. Como o restante da economia, a macroeconomia está transitando de uma disciplina filosófica, com o primado da teoria, para uma profissão prática, diligente, que privilegia os dados. É uma boa coisa.Tradução de Celso Paciornik

*O autor é professor adjunto de finanças na Stony Brook University e colaborador regular em publicações de finanças e negócios. 

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