Um pouco de história. No começo da crise da dívida latino-americana, no início dos anos 80, o Brasil passou, praticamente sem solução de continuidade, da posição de país de maior crescimento da América Latina, para uma situação de crise que o situa, assim como ao nosso país, à beira de uma hiperinflação com recessão. No princípio, o Brasil reagiu negando a crise. Era difícil conceber que o Brasil tivesse problemas para crescer, e isso contribuiu para atrasar as reformas. Por outro lado, o nosso país estava mais acostumado aos trancos constantes e havia passado por uma crise importante em 1975. Seguiram-se o Plano Austral e o Cruzado, ambos sem sucesso. Com a introdução da conversibilidade e do Plano Real, nenhum dos dois países deixou de experimentar instabilidade macroeconômica após o êxito inicial, embora os problemas da Argentina fossem muito mais profundos do que os do Brasil, que nunca sofreu algo semelhante à nossa crise de 2001-02. Como a Argentina se adiantou ao Brasil, tanto na introdução de planos quanto nos graves desajustes sofridos em etapas posteriores, tornou-se popular, pelo menos entre os economistas de ambos os países, falar do "efeito Orloff'. Esse efeito fazia referência à propaganda de uma marca de vodka. Em essência, a mensagem do anúncio era que, para evitar a ressaca do dia seguinte, era preciso tomar vodka de qualidade no dia anterior. Para que esse ponto ficasse claro, o suposto consumidor da vodka melhor do anúncio, olhava-se no espelho e via como ficaria no dia seguinte. A metáfora referia-se ao fato de que, antes da implementação de planos semelhantes aos da Argentina, os brasileiros deveriam ter se olhado no espelho do nosso país. Evidentemente, a imagem diz bastante do grau de instabilidade da macro nas geografias daquela época.O presente, desequilíbrios paralelos Passadas as experiências estabilizadoras dos anos 80 e 90, embora hoje os desequilíbrios macroeconômico sejam de menor porte, a Argentina e o Brasil enfrentam novamente sérios desequilíbrios tanto fiscais quanto na frente externa, que exigem medidas que nenhum governo desejaria ter de implementar. 1. Inflação - Em ambos os países a inflação é um problema sério. Evidentemente, na Argentina é muito mais grave porque a taxa inflacionária, como mínimo, é quatro vezes mais elevada do que a brasileira. Mas além disso, nos dois casos, o grau de liberdade para atacar a inflação é reduzido porque esta vem acompanhada por recessão e por uma forte erosão da competitividade. Em ambos os países, os custos internos há anos vêm subindo sistematicamente, e os efeitos desse desequilíbrio aumentaram de maneira extraordinária por causa da valorização do dólar e da queda dos preços das commodities.
O dilema entre competitividade e inflação
A atual direção da economia brasileira optou por promover a competitividade. E o fez mesmo sabendo que a inflação sofreria uma aceleração. O dólar está acima de R$ 3, o que não ocorria mais ou menos desde o início do governo Lula. Embora os juros tenham sido corrigidos para cima, o Banco Central não pode recorrer a aumentos maiores dos juros para deter a inflação sem correr o risco de agravar a recessão.
A Argentina enfrenta o mesmo dilema: controlar a inflação ou defender a competitividade. Por enquanto, ela nega o problema da competitividade. Isso não significa que tenha lançado um plano anti-inflacionário coerente. Essa estratégia não pode durar para sempre em um mundo em que a moeda brasileira se desvaloriza e o dólar se valoriza.
3. Déficit Fiscal - O déficit fiscal é um problema em ambos os países. No caso do Brasil, é fundamental aumentar o superávit primário de forma a poder fazer frente a uma parte do enorme montante dos juros gerados por uma dívida que supera 50% do PIB. Na Argentina, o montante é menos elevado e a dívida também é menor. Mas essa vantagem é contrabalançada por um gasto com os subsídios da energia e dos transportes absolutamente irracional. Como no Brasil o déficit é financiado pelo endividamento de mercado. Deixar de elevar o superávit primário implica em endividar-se cada vez mais para pagar os juros dos juros. Na Argentina, não reduzir o déficit pressupõe alimentar a inflação com o financiamento monetário do déficit, cobrar um imposto inflacionário crescente e agravar a defasagem cambial. Nessas condições, dificilmente a recessão se reverterá.
O Brasil já deu os primeiros passos para aumentar o superávit primário. O ministro Levy propõe levá-lo a 1,2% do PIB. Com esse objetivo, aumentou as tarifas de energia e os impostos. Mas suas intenções esbarram em graves obstáculos para se materializarem no Congresso. A Argentina, por sua vez, até agora não deu mostras de ter pressa de recompor o desajuste orçamentário.
Ambos os países padecem da pressão tributária mais elevada da América Latina, mas estão enfrentando o racionamento energético e problemas de infraestrutura. Os tributos subiram, mas os investimentos públicos estão longe de atender ao mínimo necessário para sustentar o crescimento. Em ambos, a contrapartida do forte aumento dos gastos na época de vacas gordas foi o aumento dos gastos sociais que permitiu a melhoria da distribuição da renda, mas pouco afetaram os elementos determinantes mais profundos da exclusão social. Particularmente, a exclusão resistiu a uma redução porque os setores mais dinâmicos mostraram pouca capacidade de gerar empregos de qualidade.
Isso não surpreende: ambos os países registram taxas de investimentos que tendem a se localizar abaixo dos 20% do PIB. Além do que, a corrupção e a falta de transparência não ajudaram absolutamente. Num país como o Brasil, com uma taxa de investimento baixíssima, a Petrobrás responde por 10% do total dos investimentos do País e, neste momento, está sendo submetida a investigações para explicar como o dinheiro foi gasto.
Nesse contexto, nem Argentina nem Brasil mostrou ainda qual é sua estratégia para aumentar os investimentos, condição sine qua non para a criação de emprego e uma inclusão sustentável.
Em suma, no curto prazo, o Brasil estaria adiantado em relação à Argentina no combate aos problemas mais agudos: a debilidade competitiva e o desequilíbrio fiscal. Nesse sentido, o efeito Orloff parece estar funcionando ao contrário. Talvez a explicação da dianteira do Brasil esteja na política e não na economia: no Brasil, a mudança de governo se deu mais ou menos um ano antes que no nosso país.
Até agora, os panelaços, os graves escândalos de corrupção na Petrobrás e a baixa popularidade de Dilma poucos meses depois da posse, sugerem que a vodka que o nosso sócio do Mercosul está tomando, não é da marca Orloff. Os candidatos argentinos com possibilidades de ganhar deveriam olhar nesse espelho e planejar cuidadosamente quais serão suas estratégias para atacar os desequilíbrios.
Dica: sem investimentos e sem criação de empregos haverá ressaca.
Dica adicional: sem transparência republicana, também. / Tradução de Anna Capovilla * É diretor da consultoria Abeceb.com e foi secretário de indústria e mineração da Argentina