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Em busca da mobilidade

Montadoras querem vender serviços, mas talvez acabem se dando conta de que é mais fácil fabricar automóveis

Por The Economist
Atualização:
General Motors investiu US$ 500 milhões no Lyft Foto: Albert Gea|Reuters-22|2|206

tempos o setor automotivo fala em explorar tecnologias que ameaçam subverter a lógica da produção e comercialização de veículos. Na década de 90, quando a bolha pontocom crescia sem parar, o então presidente da Ford Jac Nasser disse que, com os novos modelos de negócios que a internet tornaria viáveis, a companhia poderia terceirizar suas monótonas linhas de montagem e se reinventar como uma empresa de mobilidade, vendendo transporte como serviço. Foi uma ideia precoce. Só agora as montadoras começam a se associar a empresas de tecnologia que oferecem serviços de transporte, avançando rumo à sua transformação em provedoras de mobilidade. E, no entanto, talvez já seja tarde demais para isso.

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No afã de se reinventar, as montadoras convencionais recentemente voltaram sua atenção para os aplicativos de caronas pagas. Esses serviços permitem que as pessoas usem seus smartphones para chamar um carro com motorista que as leve a seu próximo destino. Em 24 de maio, Toyota e Volkswagen anunciaram parcerias com aplicativos desse tipo. A montadora japonesa fez um pequeno investimento, de valor não revelado, no maior dos apps de caronas pagas, o Uber, que está presente em mais de 70 países. Sua concorrente alemã investiu US$ 300 milhões no Gett, um app israelense que é popular na Europa. As ambições de Matthias Müller, presidente da Volkswagen, não param por aí. O executivo declarou que a montadora pretende se tornar a maior provedora de mobilidade do mundo até 2025.

O sonho não é exclusividade dos alemães. Em janeiro, a General Motors investiu US$ 500 milhões no Lyft, principal concorrente do Uber nos Estados Unidos, em parte com o objetivo de entrar no ramo das caronas pagas, mas também com o intuito de participar do desenvolvimento de táxis-robô, que se conduzem por conta própria. No ano passado, Mark Fields, atual presidente e CEO da Ford, tendo talvez se esquecido do que Nasser dissera 20 anos antes, afirmou que a Ford deixaria de ser exclusivamente uma montadora de automóveis para tornar-se também uma empresa de mobilidade. Comenta-se com frequência que a empresa americana estaria planejando desenvolver o próprio aplicativo de corridas pagas, com um veículo especialmente projetado para ser utilizado com o app – é possível que se trate de um serviço de micro-ônibus on demand.

Ainda que no momento todas elas estejam olhando para o mercado de caronas pagas, as montadoras de automóveis vislumbram outras maneiras de faturar com a mobilidade. As pessoas que até hoje queriam ter o próprio carro, talvez mudem de ideia num futuro não muito distante, preferindo pagar para dirigir quando não houver outra opção. Os jovens moradores das grandes cidades já não veem vantagem em possuir um ativo caro que passa maior parte do tempo sem uso, perdendo valor. Os “clubes do automóvel”, cujos sócios podem usar um app para solicitar a utilização de um carro por um curto período de tempo, estão se popularizando. O maior deles, chamado ZipCar, pertence à locadora de veículos Avis. Mais montadoras estão copiando os aplicativos Car2Go, da Daimler, e o Drive Now, da BMW. A Ford, por exemplo, tem serviços de compartilhamento de carros em fase de testes nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha e na Índia.

Receita. É possível que os serviços de compartilhamento de veículos e de caronas pagas venham realmente a se constituir em fonte de receitas para as montadoras. Para as fabricantes de modelos mais populares, acostumadas a margens estreitas, o impacto disso pode até ser bastante positivo, mas não para as que se especializam na produção de modelos de alto luxo, cujos lucros geralmente são mais gordos. As montadoras não vão apenas abocanhar uma fatia das tarifas pagas pelos usuários: também vão brigar para fornecer os carros. De fato, o negócio fechado pela Toyota inclui um programa de financiamento para que os motoristas do Uber adquiram carros da montadora japonesa. A GM oferece auxílio parecido para que os motoristas do Lyft rodem pelas ruas com carros novos.

No entanto, as chances de que as montadoras consigam lucrar vendendo a utilização de veículos, em vez de sua propriedade, dependem de dois fatores. Em primeiro lugar, elas precisam mudar o modo como operam. Até agora, a complexidade do processo de produção de automóveis manteve o setor relativamente protegido do ingresso de novos concorrentes. Mas administrar serviços que dependem de um relacionamento intenso e constante com os clientes, além do processamento de enormes quantidades de dados, não é a mesma coisa que projetar um novo SUV. De fato, a recente onda de investimentos das montadoras é impulsionada não só pela cobiça de lucros imediatos, mas também pelo desejo de aprender como esses novos negócios funcionam.

Em segundo lugar, as montadoras não podem ficar muito para trás das grandes empresas de tecnologia, que manuseiam dados e vendem serviços com uma mão nas costas. O Google lidera o desenvolvimento de carros autônomos. Há notícias de que a Apple também pretende fabricar um veículo que dirige sozinho, e algumas semanas atrás investiu US$ 1 bilhão no aplicativo Didi Chuxing, a versão dos chineses para o Uber. E o que não faltam são startups pensando em maneiras de lucrar com a oferta de serviços que transportem as pessoas do ponto A para o ponto B.

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Em vez de um carro na garagem, o futuro talvez nos reserve a assinatura mensal de um aplicativo que combina o compartilhamento de veículos, táxis, ônibus, trens, bicicletas e tudo o mais que ande sobre rodas, inclusive num único percurso, quando a utilização de múltiplos modos de transporte for a opção mais rápida ou barata. Com o uso mais eficiente do transporte público e a disseminação dos aplicativos de compartilhamento de veículos e de caronas pagas, indivíduos que normalmente comprariam um carro, talvez já não o façam, freando o crescimento das vendas de automóveis que se esperava que acontecesse quando a classe média dos países em desenvolvimento caísse na estrada. As montadoras talvez passem a vender menos automóveis, ao mesmo tempo em que concorrentes mais ágeis, que não precisam arrastar atrás de si todo o peso de uma operação industrial, abocanham o grosso dos lucros gerados pela venda de transporte para consumidores sempre em movimento.

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