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Em março, montadoras remeteram zero de lucro

É a primeira vez que as empresas deixam de enviar dinheiro para suas matrizes

Por e Rodrigo Burgarelli
Atualização:
 Foto: JOSE PATRICIO/ESTADAO

Pela primeira vez, as montadoras de veículos e as autopeças instaladas no Brasil não enviaram dinheiro às suas matrizes. Segundo dados do Banco Central, em março não saiu nada dos cofres das empresas em forma de remessa de lucro. É a primeira vez que isso ocorre em toda a série histórica do BC, que divulga dados mensais desde 2006.

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No primeiro trimestre, foram enviados US$ 74 milhões ao exterior, queda de 73,5% em comparação ao mesmo período do ano passado. Com exceção de 2012, quando ficou em segundo lugar, de 2006 a 2013 a indústria automobilística esteve à frente dos setores industriais em remessa de lucros correspondentes à renda de investimento direto. O recorde foi registrado em 2008, primeiro ano da crise internacional, com envio de US$ 5,6 bilhões.

O quadro começou a se inverter no ano passado, quando a crise econômica brasileira se aprofundou e as montadoras passaram a reduzir atividades, com corte de produção e de empregos. Em 2014, as remessas de lucros e dividendos somaram US$ 884 milhões, 73% a menos que no ano anterior. Foi o menor valor desde 2005, quando foram enviados US$ 498 milhões e abaixo dos volumes remetidos pelos setores de bebidas (US$ 3,7 bilhões), produtos químicos (US$ 1,5 bilhão) e metalurgia (US$ 1,4 bilhão).

“Nos últimos anos, o Brasil sempre teve lucros acima da média mundial, mesmo na crise de 2008 e 2009, mas agora os caixas das empresas do setor – montadoras e autopeças – estão em dificuldades”, diz Stephan Keese, responsável pela área automotiva da consultoria Roland Berger.

Segundo o presidente da General Motors América do Sul, Jaime Ardila, “a maioria das montadoras está numa situação de perda e precisa proteger a liquidez para atender os compromissos do negócio, o que explica a redução dramática nas remessas de lucros”.

Nas últimas semanas, ao divulgarem balanços financeiros, vários grupos, como General Motors, Ford e Volkswagen, afirmaram que o Brasil foi um dos responsáveis por derrubar seus resultados globais no primeiro trimestre. Dados da Roland Berger indicam que, no ano passado, as montadoras registraram prejuízo de cerca de US$ 2 bilhões no Brasil. “Este ano os números tendem a ser ainda piores”, afirma Keese, o que pode atrapalhar novos investimentos no País.

Projetos

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Ardila confirma que a geração interna de caixa pode ser insuficiente para financiar novos projetos e a saída será recorrer ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empréstimos e capitais das matrizes.

O executivo ressalta que muitas das matrizes estão atualmente em posição de caixa confortável, com níveis altos de liquidez e não precisam do dinheiro. No passado, especialmente na crise de 2008 e 2009, a ajuda brasileira foi essencial.

Ele admite, contudo, que a matriz “não está feliz” com a situação da América do Sul, mas sabe que volatilidade faz parte do negócio. “Havia uma expectativa muito maior para o Brasil que não está se confirmando”, diz Ardila. “É certo que estou tendo de viajar mais vezes a Detroit para dar explicações.”

A indústria de veículos automotores, reboques e carrocerias, conforme classificação do Banco Central, recebeu no primeiro trimestre US$ 435 milhões em investimentos estrangeiros diretos, 60% a mais em relação ao mesmo período de 2014. Em todo o ano passado, entraram US$ 2,9 bilhões, número superior ao US$ 1,8 bilhão de 2013.

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Para Anfavea, queda reflete o que ocorre no País

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, ressalta que a remessa de dividendos das empresas para suas matrizes é a remuneração do capital e normalmente reflete o que ocorre no País. “Hoje, estamos com resultados bastante baixos, o que é normal dentro da atual conjuntura”, disse.

 Na comparação com igual período do ano passado, as vendas de veículos caíram 19,2% de janeiro a abril, para 893,6 mil unidades. A produção recuou 17,5%, para 881,7 mil unidades. Foram fechadas 4,9 mil vagas de trabalho e hoje o setor emprega 139,6 mil pessoas, contingente igual ao verificado em março de 2011.

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 Stephan Keese, responsável pela área automotiva da consultoria Roland Berger, acredita que os cortes vão aumentar ao longo do ano, pois a mão de obra atual está dimensionada para uma produção de quase 4 milhões de veículos anuais, enquanto a projeção da Anfavea é de fabricar no máximo 2,8 milhões. “Há leis e acordos com os sindicatos que colocam barreiras à redução de capacidade, mas, se pudessem, as montadoras cortariam entre 20 mil e 30 mil postos”.

 As alternativas têm sido os programas de demissão voluntária (PDV), lay-off (suspensão dos contratos de trabalho) e férias coletivas. Hoje, com exceção das asiáticas Hyundai, Honda, Toyota e Nissan, as demais empresas têm alguma medida de corte de produção em andamento. 

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