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Empresas já pensam no pós-crise

Passado o momento de medidas de desespero, companhias começam a preparar novas estratégias de negócios

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Nas próximas semanas, os executivos do Pão de Açúcar devem se reunir para decidir o ritmo de investimentos até o fim do ano: se pisam no acelerador ou mantêm a velocidade atual. Em novembro, quando foi aprovado o orçamento de 2009, ficou acertado que os investimentos poderiam variar de R$ 500 milhões a R$ 1,2 bilhão, de acordo com três cenários distintos. Como as vendas nos três primeiros meses ficaram acima das expectativas - agora falta contabilizar a Páscoa -, é provável que a partir de agora o velocímetro se altere. "Com a crise, não pusemos o pé no freio. Decidimos controlar o acelerador", diz o vice-presidente de Logística e Tecnologia do Pão de Açúcar, Hugo Bethlem. A estratégia do Pão de Açúcar para os tempos de guerra vai muito além dos cortes de custos mais óbvios. Depois de passar a tesoura no topo da estrutura administrativa, no começo de 2008, a rede está aproveitando o momento para trocar o seu sistema (caseiro) de tecnologia, que geriu as compras e vendas nos últimos 20 anos; aperfeiçoar a distribuição, que ainda deixa de lado a rede atacadista Assai, as drogarias e o Extra Fácil; e priorizar a expansão do modelo de atacado e de lojas de conveniência, ambas de custo baixo e retorno rápido. "A crise existe, mas também traz grandes oportunidades", diz Bethlem. Passados seis meses do estouro da crise internacional, as empresas brasileiras partem para o segundo tempo. No início, a reação mais comum foi de desespero - no caso das exportadoras e produtoras de commodities (áreas de siderurgia, mineração, papel e celulose), a queda na demanda foi tão brutal que as demissões em massa e o fechamento de unidades de produção foram inevitáveis. Agora, já se começa a ver menos decisões de impulso e mais ações estratégicas, com efeito de médio ou longo prazos, como cancelamento ou criação de novos negócios, redução ou aumento de portfólio, venda ou compra de ativos, diversificação ou concentração geográfica, inclusão ou exclusão de clientes, investimento em distribuição e logística e por aí vai. A lista pode ser longa, dependendo das necessidades de cada um. "Essa segunda fase lida com escolhas. Como é mais arriscado, alguns executivos ainda querem ver se as ações são necessárias ou não. Por isso, em diversas companhias essa segunda fase ainda está na prancheta", acredita o presidente da consultoria Booz & Company (antiga Booz & Allen), Ivan de Souza. "Mas quem sair na frente pode levar vantagem." AQUISIÇÕES Para muitas empresas - sobretudo aquelas com algum dinheiro em caixa -, esse novo cenário também tem servido para aumentar a distância entre elas e seus concorrentes mais fracos. Dentro dessa lógica, fica fácil entender a recente reaproximação de Sadia e Perdigão, num momento tão delicado para as duas exportadoras, que vêm sofrendo tanto com a queda dos preços como com a redução da demanda global por seus produtos. A crise deixou exposta a fragilidade da Sadia e abriu caminho para que a Perdigão, mais fortalecida, pudesse fazer uma oferta pela sua concorrente. Depois que vieram os sinais ruins do lado de fora, a Perdigão decidiu revisar seus processos internos. O objetivo é ganhar eficiência para compensar as vendas mais fracas e a margem comprometida pela queda dos preços. Com isso, numa eventual troca de ações, ela também ganharia valor. "Em situações de crise, a probabilidade de que algum concorrente se dê mal é muito grande", diz o sócio da consultoria Bain & Company, Jean Claude Ramirez. "É a hora, por exemplo, de comprar ativos desvalorizados ou reduzir drasticamente o tamanho da empresa para focar somente naquilo que é rentável. Enquanto o mundo consumia um volume recorde de minério, fazia sentido para a a Vale, por exemplo, contratar executivos e geólogos a peso de ouro ou pagar prêmios generosos sobre o preço dos equipamentos. A saída de quatro de seus executivos no começo deste mês já teria como pano de fundo o redimensionamento da sua estrutura fixa, tanto no Brasil quanto nas suas subsidiárias no exterior. Uma das formas que a Vale encontrou de reagir à crise foi reduzir a quantidade de chefes. Ter menos executivos diminui o número de pessoas participando de reuniões e torna a estrutura mais ágil. "A redução de custos envolve grandes mudanças, que incomodam. Mas elas precisam ocorrer no DNA da empresa. Caso contrário, as condutas erradas voltam", diz o diretor executivo da Ernst & Young, Paulo Freitas. O Brasil, na opinião do sócio da consultoria Gradus, Gustavo Pierini, já passou da era do corte burro. "Há duas formas de perder peso: você pode adoecer ou ficar musculoso", diz. "Muitas empresas se prepararam para o crescimento e acumularam talentos que no curto prazo não serão mais necessários. O entorno futuro não aceita empresas gordas. As margens que se conseguia antes mascaravam qualquer tipo de ineficiência Faltava um toque de realidade para todo mundo." Quando o assunto é corte de custos, a AmBev sempre foi referência. Mesmo estando em um setor que não foi afetado pela crise, a maior fabricante de cervejas do País aumentou o rigor sobre o dinheiro que entra e sai do caixa. "Agora sento semanalmente com os responsáveis pelas áreas industrial e comercial para projetar as vendas das cinco semanas seguintes", diz o presidente da AmBev, João Castro Neves. "Com isso, evitamos estoques desnecessários e não perdemos vendas." A companhia também vai passar a acionar a rede global de compras e de fornecedores da sua controladora, a InBev, para melhorar a produtividade. "Se o preço das geladeiras na China for metade do praticado no Brasil, vamos acionar a equipe de compras na China. Essa prática vai funcionar não só para trazer geladeira, mas também para comprar camisetas e guarda-sol. Surgem oportunidades todos os dias e vamos aproveitá-las", diz Neves. "Os custos e o fluxo de caixa continuam sendo preocupação de todos. Mas essa segunda onda é estratégica. As empresas estão investindo em tempo e pessoas para diminuir os riscos de incertezas", diz o diretor da Boston Consulting Group, Fernando Machado.

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