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Encarar o desafio

Por AMIR KHAIR
Atualização:

A nova equipe econômica traçou os passos que pretende dar nos próximos três anos ao estabelecer na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 o comportamento que espera para as principais variáveis macroeconômicas. São elas para respectivamente os anos 2015 a 2017 em relação ao PIB: a) crescimento econômico: 0,8%, 2,0% e 2,3%; b) superávit primário: 1,2% e maior que 2% nos dois últimos anos; c) déficit nominal 4,1%, 2,7% e 2,5%. As taxas de juros que incidirão sobre a dívida são respectivamente 12,17%, 11,50% e 10,75%. Com isso, esperam que a dívida bruta em relação ao PIB evolua assim: 64,1%, 63,3% e 62,5%. Toda ênfase foi dada pela nova equipe em melhorar o desempenho fiscal e com isso resgatar a confiança do mercado, o que poderá trazer novo ânimo aos investidores e no fim da linha ter como consequência a retomada do crescimento econômico. Será que isso poderá funcionar? Não creio, independentemente das pessoas que irão substituir a fracassada equipe que sai. Em primeiro lugar, as metas da LDO são tímidas e na questão fiscal chegar ao final de 2017 com uma relação dívida/PIB de 62,5% é acima da ocorrida em outubro deste ano, de 62%. Levar três anos para não melhorar o desempenho fiscal é decepcionante. Isso evidencia a pouca área de manobra que terá a nova equipe. Sabe-se que só 36% da despesa pública não financeira é da competência da União e que 90% é engessada pela legislação. Os restantes 64% são da alçada de Estados e municípios, que tiveram o presente do Senado de poder se endividar mais com a mudança radical do refinanciamento da dívida deles com a União. Foi um duro golpe ao artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe o refinanciamento, a que título for. E a nova equipe econômica teve de engolir isso e a remessa de R$ 30 bilhões do Tesouro ao BNDES. É a despedida da equipe que sai, agravando a herança fiscal para a nova equipe. Belo começo! Outro golpe na saúde das contas do governo federal acaba de ser desferido pelo Banco Central ao elevar a Selic e indicar que vai continuar a elevá-la na próxima reunião do Copom. Cada ponto porcentual de elevação da Selic repercute direta e indiretamente em toda dívida mobiliária do governo federal aumentando a despesa com juros em R$ 20 bilhões por ano! Esses golpes contra as finanças públicas, assim como os desferidos contra a Petrobrás e Eletrobrás ao usá-las indevidamente para controle da inflação, entupindo-as de dívidas são de responsabilidade da presidente. A perda patrimonial para a União pela drástica redução do valor de mercado dessas duas empresas atinge a todos os brasileiros, como bem salientou o professor Delfim Neto em recente artigo no jornal Valor Econômico. É estranho que a prática do cartel de empreiteiras, que data de décadas, em nenhum momento veio à tona, sem ser percebido pelos gerentes, diretores e membros do Conselho de Administração e Conselho Fiscal em várias gestões. Louvável foi a ação da Polícia Federal na operação Lava Jato, e a sociedade aguarda punição a todos os envolvidos com devolução do roubo pelas pessoas e empresas que se locupletaram com o cartel. Vamos aguardar a atuação do Poder Judiciário. Voltando ao tema, vale avaliar se a relação dívida/PIB poderá apresentar a evolução considerada. Caso não ocorra mudanças significativas na base monetária, com emissão de moeda, nem venda de reservas internacionais, há uma relação matemática que permite calcular a dívida ao final de cada ano em razão do crescimento da economia e do resultado nominal. O resultado nominal que consta na LDO parece irreal, pois a despesa com juros tende a ser próxima a 6% do PIB, caso não ocorra forte queda da Selic, o que não parece estar no horizonte dos próximos dois anos. Com juros na casa de 6% do PIB, os resultados nominais, considerando as metas de resultado primário, seriam em cada ano de déficit de 4,8% em 2015 e 4% em 2016 e 2017. Nessas condições, a evolução da dívida em relação ao PIB seria ao final de cada ano: 65,3% em 2015, 64,9% em 2016 e 64,5% em 2017. Ou seja, caso não ocorra redução expressiva da Selic, essa reação vai ficar no entorno de 65%, que é bem acima da média dos países emergentes, na vizinhança de 40%. Diante dessa perspectiva, é necessário elevar a base monetária e/ou vender reservas internacionais, o que permitirá reduzir a relação dívida/PIB. Como se sabe, as reservas internacionais foram constituídas com a emissão de títulos, que totalizam R$ 888 bilhões, ou 17,4% do PIB, ao final de outubro. São as denominadas Operações Compromissadas do Banco Central. As reservas são aplicadas na maior parte em títulos do Tesouro americano que rendem juros próximo a zero e custam ao Tesouro a taxa Selic. Bela troca! Quanto às contas externas, é necessário que o câmbio passe a ser flutuante, sem a interferência do Banco Central via Selic e/ou leilões de swap cambial, que continuam mantendo o real apreciado, gerando rombo nas contas externas que devem alcançar neste ano US$ 85 bilhões e, como as commodities estão com preços internacionais em queda, é possível que o déficit externo atinja US$ 90 bilhões no próximo ano. O câmbio fora de lugar fragiliza mais ainda a baixa competitividade das empresas locais, freando o crescimento. A retomada do crescimento deve necessariamente implicar câmbio realista (no entorno de R$ 3 o dólar) e taxas de juros ao tomador no nível dos países emergentes, que é dez vezes inferior à cobrada dos clientes na agiotagem que domina o mercado financeiro. Sem política firme de redução das taxas de juros, os preços continuam o dobro do preço à vista para crediário em 12 meses, segundo a Associação Nacional dos Executivos em Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). É o principal freio ao crescimento econômico e pouco considerado nas análises de mercado. Não será nada fácil o trabalho da nova equipe. Se continuar com a política suicida de ignorar as elevadas taxas de juros, pensando que com algum controle sobre as despesas do governo federal vai alterar o humor dos agentes econômicos e daí brotar o investimento e o crescimento, vai cair no mesmo erro que foi cometido pela equipe que está saindo, só que com algum controle a mais sobre parcela pequena da despesa pública e com maior transparência fiscal. Fazer uma gestão fiscal melhor é necessário, mas insuficiente para restaurar os fundamentos macroeconômicos e recolocar a economia de novo na rota do crescimento. Vale sempre insistir: a condição primeira para o sucesso macroeconômico é posicionar as taxas de juros ao nível internacional e isso antecede qualquer outra medida e depende exclusivamente de decisões no âmbito do governo federal. É preciso encarar o desafio de colocar o País na rota do crescimento com equilíbrio nas contas internas e externas. Saio de férias. Tudo de bom!

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