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Ensino técnico ainda enfrenta preconceito

Especialistas defendem maior proximidade entre escolas técnicas e mercado de trabalho e maior flexibilidade nos currículos

Por Álvaro Campos
Atualização:

A educação profissional no Brasil cresceu significativamente nos últimos anos graças, em parte, ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que, mais do que oferecer bolsas, estruturou a área. Mesmo assim, ainda é preciso vencer um velho preconceito arraigado na sociedade de que esse tipo de formação seria inferior ao ensino superior clássico das universidades.

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Especialistas reunidos no evento Fóruns Estadão Brasil Competitivo - Educação para o Trabalho, realizado com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na terça-feira, citaram a necessidade de maior aproximação entre escolas técnicas e mercado de trabalho e de maior flexibilidade dos currículos, já que o rápido avanço tecnológico altera as competências exigidas dos profissionais.

O secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação , Marcelo Feres, lembrou que o ensino técnico no Brasil tem quase 100 anos de história, tendo começado no início do século 20 com os liceus profissionalizantes. Em 2014, foram 1,79 milhão de matrículas nesse tipo de curso, um crescimento de 23,6% ante o ano anterior, sendo 52% na rede pública.

Segundo ele, a meta 11 do Plano Nacional de Educação, que prevê triplicar o ensino profissional até 2024, é ousada, mas reflete um desejo da sociedade, que passou a dar mais valor a esse tipo de formação. “O alcance dessa meta depende de esforços conjuntos do governo, setor produtivo e sociedade”, comentou. Para Feres, isso não pode ser feito de forma muito acelerada, caso contrário não seria sustentável. “Temos de equilibrar o crescimento de matrículas com a qualidade dos cursos. Esse é o caminho que estamos priorizando.”

Articulação. Feres lembrou que um dos desafios é implementar um sistema nacional de avaliação da educação profissional, já que o que existe atualmente são análises concentradas em instituições e cursos. O secretário defendeu também uma maior articulação entre instituições de ensino e o setor produtivo. “É preciso romper com a cultura academicista essa dualidade do processo de formação entre fazer e pensar.”

Já o diretor-geral do Senai, Rafael Lucchesi, afirmou que a qualidade da educação no Brasil está mais perto da África do que dos países desenvolvidos. Ele apontou que só recentemente o País atingiu um tempo médio de escolaridade de 7,5 anos, o que significa 100 anos de atraso em relação aos países desenvolvidos, que registraram esse mesmo número no início do século passado.

O especialista comentou ainda que, enquanto na Áustria 76% dos jovens fazem um curso profissionalizante concomitantemente com o ensino tradicional, no Japão são 70% e, na Alemanha, 50%. Já no Brasil, esse índice está em torno de 8,5%. “Mais de 80% dos jovens no Brasil não vão para as universidades. É razoável não instrumentalizar essa juventude para o mercado de trabalho? Isso causa impacto na geração de riqueza da sociedade brasileira, na produtividade do trabalho.”

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Debate. Iuri Pitta (Estado), André Portela Souza (FGV), Claudia Costin (Banco Mundial) e Fernando Tourinho (Robert Bosch) discutem a importância do ensino técnico no Brasil Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

É preciso remover os preconceitos em relação à educação profissional, segundo Lucchesi, e isso pode ser um contraponto à grande participação das ciências humanas no ensino superior do Brasil. Segundo ele, de cada 100 graduados nas universidades brasileiras, só cinco são engenheiros, um dos menores níveis do mundo.

A diretora global de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin, tem uma visão semelhante sobre o ensino técnico no Brasil. Para ela, é preciso repensar o sistema. “A demanda mundial está migrando para competências não rotineiras. O processo de automatização é enorme, a robotização vai fazer com que muitas profissões desapareçam. Se o jovem não tiver capacidade de se reprogramar, as coisas vão se complicar.”

Claudia apresentou uma visão um pouco mais otimista que os outros palestrantes. Segundo ela, a taxa de conclusão do ensino básico nos últimos 15 anos teve grandes avanços e, mesmo em termos de qualidade, as coisas melhoraram. A especialista citou o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, conhecido pela sigla Pisa, que mostra que o Brasil foi o País que mais avançou em matemática de 2003 a 2012, apesar de ainda ter pontuação baixa.

“O Brasil está imerso numa crise, mas precisamos ver além. Às vezes, pensamos muito na conjuntura e esquecemos que o País está construindo coisas para o futuro”, comentou, citando como exemplo de caso de sucesso a feira WorldSkills, realizada no mês passado, na qual o Brasil foi o maior medalhista. 

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Lucchesi apontou que um dos argumentos para vencer o preconceito com o ensino técnico e atrair mais jovens pode ser via salários. Segundo pesquisas, o pagamento inicial médio de um profissional técnico é de R$ 2 mil, chegando a R$ 6 mil em dez anos. “Isso já é competitivo com o ensino superior, e o jovem começa a vida profissional antes”, apontou. É uma forma também de contemplar a classe C, onde muitos adolescentes não têm condições de fazer cursos de engenharia, por exemplo, que exigem uma dedicação exclusiva. 

Gestão. Questionado sobre o Orçamento de 2016, apresentado pelo governo com um déficit de R$ 30,5 bilhões, o secretário do MEC afirmou: “É falso dizer que não haverá impacto, mas isso não paralisa os esforços que vêm sendo desenvolvidos. A oportunidade que se abre neste momento é de criatividade”.

Lucchesi apontou que o Brasil investe quase 6,6% do Produto PIB em educação, mais do que alguns países desenvolvidos e dentro da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. “Temos uma enorme deficiência de qualidade na educação, mas o avanço precisa ir além da questão alocativa.”

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