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Entre o curto prazo e o longo alcance

É verdade que o setor corporativo global realmente opera com horizontes excessivamente estreitos?

Por THE ECONOMIST
Atualização:
  Foto: BRENDAN MCDERMID | REUTERS

Há no mundo 68 mil empresas de capital aberto, a maioria das quais com poucas características em comum. Mas, de Xangai a San Francisco, uma coisa une os executivos: a queixa de que o capitalismo sofre atualmente de uma febre de hiperatividade, obrigando-os a tomar decisões cada vez mais orientadas por horizontes de curto prazo, em prejuízo dos acionistas e da própria sociedade. De fato, é difícil encontrar no setor corporativo opinião mais consensual que essa. Iniciativa criada conjuntamente, em 2013, pela Canada Pension Plan Investment Board, gestora de ativos da previdência social canadense, e pela consultoria McKinsey, com o nome de Focusing Capital on the Long Term (“Focando o Capital no Longo Prazo”) deu origem este ano à entidade sem fins lucrativos FCLT Global, com a missão de combater a miopia entre investidores e executivos. Entre do conselho de administração da entidade há organizações de peso, como a BlackRock, maior gestora de fundos de investimento do mundo, e a gigante de bens de consumo Unilever.

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Corda no pescoço. O maior desafio da nova entidade é provar que o imediatismo é de fato um problema. Dentre as duas principais evidências que apontam nessa direção, uma delas é circunstancial: atualmente, os investidores americanos mantêm suas ações em carteira por não mais que 200 dias, em média. O giro frenético dos papéis se deve, sobretudo, à ação dos “trading systems” computadorizados. A outra é subjetiva: os executivos dizem viver com a corda no pescoço. Em levantamento encomendado pela FCLT Global junto a 1 mil executivos do mundo inteiro, 51% dos entrevistados afirmam que se sentem extremamente pressionados a produzir resultados financeiros num prazo de um ano ou menos. Embora acreditem ser importante pensar no longo prazo, dizem não ter alternativa senão cortar custos, adulterar os números para exibir lucros trimestrais mais polpudos e promover recompras de ações.

Isso prova que o setor corporativo tem vista curta? Não exatamente. Nos últimos 12 meses, o investimento privado nos EUA vem avançando em marcha lenta, mas, a 13% do PIB, seu nível é compatível com a média registrada no período pós-1945. Mais que o baixo investimento, são os lucros elevados das empresas que explicam as recompras de ações. E, apesar dos resmungos dos executivos, é saudável que companhias que já atingiram certo grau de maturação sejam forçadas a exercitar o pão-durismo. Desse modo, os capitais podem ser redirecionados para as empresas em crescimento. O mesmo modelo americano que é acusado de miopia despeja recursos na Tesla e no Uber, duas empresas que ainda levarão anos para se tornar lucrativas.

A preocupação com o imediatismo tampouco ajuda a entender o mundo. É justamente nos EUA, país onde a hiperatividade do mercado de capitais é mais acentuada, que se observa o melhor desempenho entre as grandes economias desenvolvidas. E as empresas americanas nunca foram tão dominantes como agora. Lugares onde a cultura corporativa é menos acelerada, como Japão e boa parte da Europa, não vêm se saindo tão bem. Classificar as empresas de acordo com a adoção de estratégias de curto ou longo prazo também produz resultados inesperados. No índice Long-Term Value Creation, lançado em janeiro pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, com o objetivo de acompanhar o desempenho de empresas orientadas por visões de longo prazo, três das dez primeiras posições são ocupadas por representantes da indústria tabagista, um setor em que as empresas tendem, sem dúvida, a ter vida mais longa mais que seus consumidores, mas não por bons motivos.

Papel. Uma entidade como a FCLT Global corre o risco de servir apenas para reforçar a influência de executivos poderosos. Seu alcance seria maior, e mais duradouro, se tivesse por objetivo estimular as gestoras de fundos de investimentos “passivos” a interagir mais com as companhias em que investem. Essas gestoras tiveram grande crescimento nos últimos anos e hoje detêm entre 10% e 20% das maiores empresas de capital aberto do Ocidente. Como compram e mantêm as ações num índice, são acionistas estáveis. A questão é que, até o momento, não se mostram dispostas a dar palpites sobre a maneira como as empresas são administradas, o que pode criar um vácuo de governança. Larry Fink, presidente e CEO da BlackRock (cujos fundos são majoritariamente passivos), é uma exceção louvável. Outros deveriam seguir seu exemplo. Não vale a pena perder tempo tentando determinar qual seria o horizonte mais apropriado para as estratégias de uma empresa. É a tensão constante entre o curto e o longo prazo, assim como entre acionistas engajados e executivos talentosos, que faz o capitalismo andar para a frente.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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