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'Estamos guiando o carro na contramão'

Ajuste fiscal vai aprofundar os problemas de crescimento, pois deixa de fora a crise da indústria, diz economista

Por Lu Aiko Otta
Atualização:

Em vez de criar as bases para um período de prosperidade, o ajuste fiscal vai aprofundar os problemas de crescimento do País, alerta o professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Elevar juros, aumentar impostos e cortar gastos num momento de recessão, avalia ele, não é um caminho adequado. Enquanto isso, o problema mais grave da economia brasileira, a crise da indústria, fica fora do centro do palco. "Estamos flertando com a série C", sentencia. As medidas mais recentes do governo, como na energia elétrica e na gasolina, sugerem um desmonte das intervenções estatais. O que o sr. acha? É um movimento consistente? Em 2011, eu já toquei na questão do preço da gasolina. Um dos equívocos da política econômica foi a contenção de tarifa, feita num momento em que a inflação estava mais tranquila. Em relação a tarifas de energia, tenho outras opiniões. Acho que o modelo energético é fracassado. Por isso, tenho muita restrição a discutir a questão como vocês colocam. Como assim? Os serviços de utilidade pública são serviços públicos e, então, eles têm de ter, sim, a presença reguladora do Estado. Que não ocorre. As agências reguladoras não servem para nada, a não ser para serem capturadas pelos regulados. Há intervenções e intervenções. O que não existe é capitalismo sem intervenção. Precisamos tirar a discussão dessas simplificações. O sr. aponta outros equívocos?Muito antes de eles chegarem, os bonitinhos, eu falei o seguinte: as desonerações já tinham esgotado o seu papel. Não é uma questão de oposição entre consumo e investimento, que isso é uma bobagem. É preciso ver a trajetória dinâmica da economia. A não ser famílias de renda muito alta, as pessoas não compram três geladeiras, quatro carros. Tem o ciclo do consumo. A reação à crise foi adequada, mas estendida por um período longo. O ajuste fiscal está na direção certa? As pessoas estão achando que a política do (Antônio) Palocci, de austeridade, permitiu o crescimento econômico maior. Não foi. Foi a demanda chinesa. Se fizerem a mesma coisa agora, vão dar com os burros n'água. Estamos guiando o carro na contramão. Por quê? Porque, num momento em que a economia já está em recessão, fazem uma política de austeridade tipo Europa, para uma situação fiscal que não é o desastre que apontam. O desastre da economia brasileira é a situação da indústria, que não entra na discussão não sei por quê. Estamos flertando com a série C do campeonato mundial do crescimento. Vão fazer uma política que vai degradar ainda mais a situação econômica e da indústria brasileira. É só esperar para ver. O sr. está traçando um quadro bem ruim. Lamento. Estou vendo a coisa se consumar de forma muito clara: a queda do emprego, gente na rua. A ideia deles é fazer recessão e, na frente, recuperar. É inacreditável que se diga uma coisa dessas. É seguir um receituário abstrato, coisa de um primitivismo atroz.

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