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EUA vivem grande onda de estatização

Depois de bancos e seguradora, governo deve entrar em montadoras

Por Patrícia Campos Mello
Atualização:

Em pouco mais de seis meses, o governo dos Estados Unidos se tornou sócio de duas empresas de hipoteca, a Fannie Mae e a Freddie Mac, uma seguradora, a AIG, vários bancos e em breve deve ter participação em duas montadoras, Chrysler e General Motors. O presidente Barack Obama afirma que o objetivo do maior país capitalista do mundo não é estatizar e administrar empresas privadas. "Somos acionistas que querem sair. Não quero administrar montadoras ou bancos. Já tenho duas guerras para administrar. É o suficiente", disse,durante entrevista na semana passada. "Assim que a situação se estabilizar e a economia estiver menos frágil, vamos sair e achar investidores privados." Mas economistas à esquerda e à direita acreditam que será bem complicado o governo se desembaraçar de suas participações acionárias. Segundo eles, o país deve manter seu título de "Estados Socialistas da América" por um bom tempo. "É como na guerra do Iraque: eles entraram, mas não têm uma estratégia de saída", compara William Shughart II, professor de Economia da Universidade do Mississippi e pesquisador do Independent Institute, entidade que apoia o livre mercado. "Suponho que o governo queira ter algum retorno sobre esse dinheiro que pôs nas empresas e, para isso, essas companhias precisam sair do vermelho, o que vai demorar muito tempo", diz. "Se o governo sair muito rápido, o contribuinte vai arcar com enorme prejuízo." Dean Baker, codiretor do Center for Economic and Policy Research, entidade de esquerda, concorda. "O governo vai ter de manter essas participações nas empresas, no mínimo, até 2011, 2012." O pior é que, para o contribuinte, se trata de um péssimo negócio. "Se o governo fosse o administrador da minha carteira, já estava despedido. Imagine investir em GM, Chrysler, Bank of America e Citibank", diz Sydney Finkelstein, professor de administração no Dartmouth College e autor do livro Pense de novo: porque bons líderes tomam decisões erradas. O maior desafio a partir de agora é conciliar os interesses como acionista - o maior lucro possível para a companhia - e como governo - pode ser aumentar o emprego, o crédito e outros. "O governo pode se focar em resultados políticos em vez de lucro", diz Baker. "Por exemplo, a Casa Branca pode decidir que a GM e a Chrysler devem se concentrar na produção de carros elétricos, mesmo que isso não dê lucro no curto prazo, porque ajudaria na redução da emissão de poluentes, um grande objetivo de Obama." Apesar de dizer que não quer administrar as empresas ou influenciar no dia a dia das operações, a Casa Branca já está imprimindo sua marca nas companhias. Para começar, defenestrou Rick Wagoner, ex-presidente da GM. Estabeleceu limites de remuneração após os escândalos dos bônus na AIG e está fazendo o mesmo na Fannie Mae e Freddie Mac. O governo comprometeu US$ 400 bilhões com essas duas empresas - e quer ter certeza de que estão cumprindo sua função "social" de reativar o mercado imobiliário com financiamentos de juros mais baixos, ainda que essa não seja a melhor opção em termos de rentabilidade. As companhias já advertiram que isso vai afetar seus resultados. Em última instância, o governo está recompensando quem mais errou. A Ford, por exemplo, será vítima de competição desleal da Chrysler e da GM. A Ford não recebeu injeção de recursos do governo porque não estava tão mal quanto as outras duas grandes de Detroit. Agora, o governo está subsidiando seus concorrentes. "É como se fosse um imposto implícito sobre a Ford", diz Dan Ikenson, diretor associado do Cato, instituto libertário. Ikenson, como outros conservadores, está preocupado com a "guinada socialista do governo". Hoje em dia, diz Ikenson, somando-se os US$ 700 bilhões do plano de resgate aos bancos (o Tarp, de onde saiu boa parte das injeções de capital no sistema bancário), o pacote de estímulo de cerca de US$ 787 bilhões e o orçamento de US$ 3,5 trilhões, o governo está como investidor ou garantidor de cerca de US$ 5 trilhões - mais de um terço da economia americana, cujo PIB é de US$ 14 trilhões. Na opinião de conservadores, o governo deveria ter deixado várias empresas e bancos quebrarem, como parte da chamada destruição criativa do livre mercado, em vez de manter companhias zumbis que vão atrasar a recuperação da economia. Para economistas de esquerda e para a Casa Branca, Obama não tinha opção. Era arriscado demais deixar empresas ou bancos quebrarem - e isso ficou claro após o contágio causado pela quebra do banco Lehman Brothers. Além do mais, perder milhares de empregos na maior crise desde 1930 não seria politicamente sustentável. "O governo Obama está assumindo o controle das empresas porque a alternativa seria um desastre para a economia", diz Baker. O problema, para alguns, é a moda pegar. "A Casa Branca abriu a porteira e agora vem aí a boiada", afirma Shughart. "O governo federal perdeu a credibilidade de dizer que não vai mais resgatar ninguém. Estão fazendo fila para pedir dinheiro, as empresas de autopeças são as próximas", avalia.

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