Falta de crescimento afasta investidores estrangeiros, dizem analistas

A repercussão negativa da retórica de Bolsonaro, segundo executivos do mercado, tem impacto reduzido nos aportes do exterior

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Por José Fucs
6 min de leitura

Diante da repercussão internacional das declarações do presidente Jair Bolsonaro, bem como de suas publicações nas redes sociais e de suas trapalhadas no governo, é lógico imaginar que ele tenha uma cota expressiva de responsabilidade na retração dos investimentos feitos por estrangeiros no mercado financeiro do País.

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Decorridos quase nove meses de governo, os dados sobre o saldo dos aportes externos na Bolsa de Valores hoje impulsionada pelos investidores locais, que buscam alternativas aos juros baixos da renda fixa, são preocupantes. Até 18 de setembro, o resultado acumulado no ano estava negativo em R$ 22,2 bilhões, excluídas as ofertas de ações realizadas no período, de cerca de R$ 25 bilhões. Trata-se do pior saldo desde 2008, no auge da crise global, o que alimenta incertezas sobre a real disposição dos estrangeiros de investir no mercado de capitais brasileiro, em meio às turbulências causadas pela retórica agressiva de Bolsonaro.

Mas, embora as falas e o vai e vem do presidente tenham o seu peso na equação, não é isso o que mais está influenciando os saques dos investidores externos agora, de acordo com os cientistas políticos e executivos de grandes bancos ouvidos pelo Estado, para avaliar a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil.

“Tuíte de presidente virou normal. Os estrangeiros aprenderam a lidar com o (primeiro-ministro) Boris Johnson, na Inglaterra, e com o (Donald) Trump, nos Estados Unidos”, diz Christian Egan, diretor executivo de Tesouraria e Mercados Globais do Itaú Unibanco. “Então, o que a gente vê no Brasil talvez não seja tão impactante para os investidores externos quanto se imagine que seja.”

A avaliação de Egan reflete, de certa forma, uma visão que parece predominar no mercado. “Esse pessoal é muito pragmático e racional. Não liga muito para o mérito do que o Bolsonaro disse ou deixou de dizer ou uma polêmica aqui ou acolá”, afirma o cientista político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, uma empresa de consultoria sediada em Brasília. “Essa retórica belicosa, controversa, não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil”, diz o cientista político Christopher Garman, responsável pela Área de Américas da Eurasia, consultoria internacional de avaliação de risco.

A julgar pelo que eles dizem, parece também haver certo consenso em relação aos principais motivos que levaram os investidores externos a se afastar do Brasil nos últimos meses. No front externo, o mais evidente é a guerra comercial entre Estados Unidos e China, que afeta a taxa de crescimento mundial e turbina a aversão ao risco. Há também uma tensão crescente em razão do desaquecimento da economia em vários países, como Alemanha, China e até os Estados Unidos, que está levando a uma saída das bolsas em mercados emergentes. “O mundo vem desacelerando. Talvez isso não estivesse na conta um ano atrás”, afirma Egan. “Não que estivesse fora do radar, mas não estava precificado na magnitude em que vem acontecendo em 2019.”

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A falta de crescimento deixa os investidores com um pé atrás

Tony Volpon, do UBS

No front interno, o que está “pegando” para os chamados investidores de portfólio é a lenta retomada da economia – em 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer apenas 0,9%, pouco abaixo do índice de 1,1% do ano passado, segundo o boletim Focus, do Banco Central (BC), que apura a média das previsões dos economistas das instituições financeiras para os principais indicadores.

Apesar de os investidores externos reconhecerem o avanço do País com a aprovação da reforma da Previdência e a importância de outras reformas que estão em pauta, como a tributária e a administrativa, a percepção é de que os efeitos se farão sentir mais na questão da produtividade, no médio e longo prazos, do que no desempenho da economia no curto prazo. 

“A falta de crescimento deixa os investidores com um pé atrás”, diz Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC. “Os investidores veem que está havendo controle de gastos, que a reforma da Previdência vai ajudar o gasto obrigatório a cair no longo prazo, mas sabem que isso não ajuda muito agora.”

A falta de clareza sobre a agenda prioritária do País deixa o estrangeiro mais confuso do que o comportamento do Bolsonaro

Lucas de Aragão, da Arko Advice

Segundo Volpon, o baixo crescimento ainda é reflexo da recessão vivida pelo País de 2014 a 2016. “Foi uma recessão profunda”, afirma. “Nunca aconteceu antes e espero que não aconteça de novo, mas é o tipo de recessão que deixa sequelas longas. A gente já viu isso acontecer nos Estados Unidos, no Japão, na Europa. Quatro ou cinco anos depois, os efeitos da recessão ainda não haviam passado.”

De acordo com Lucas de Aragão, a falta de clareza em relação à agenda prioritária do País e a indefinição sobre quem irá fazê-la avançar – o presidente, o Congresso ou o ministro da Economia, Paulo Guedes – também influenciam negativamente a percepção dos investidores. “O governo diz isso, diz aquilo, mas quem trava e quem não trava a pauta, o que avança e o que não avança são pontos que ainda não estão muito claros. “Talvez isso deixe o investidor externo mais confuso do que os incidentes diplomáticos decorrentes do comportamento do Bolsonaro.”

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O Brasil está fazendo a lição de casa numa hora muito importante

Christian Egan, do Itaú Unibanco

Se as falas do presidente têm impacto reduzido para os estrangeiros, o mesmo não acontece em relação ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Volpon diz que vários fundos que têm o respeito ao meio ambiente em seus estatutos, especialmente na Europa, estão sofrendo pressão dos cotistas para olhar o Brasil com mais cuidado. “Se houver uma percepção de que o Brasil está tendo uma regressão na questão ambiental, isso vai impactar o volume de investimento desse tipo de fundo, independentemente de ser verdade ou não.”

Apesar de tudo isso, o desempenho do índice EMBI+, que reflete o grau de confiança do investidor externo no País, mostra que o Brasil está longe de se tornar o “patinho feio” do mercado global. Segundo o indicador, calculado pelo banco JP Morgan, o risco Brasil está em 225 pontos, 18% abaixo do patamar de dezembro e 27% abaixo do nível de 31 de agosto de 2016, quando o Senado aprovou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “A gente já viveu momentos muito mais críticos que afetaram decisões de investimento” afirma Egan, do Itaú. “O Brasil está fazendo a lição de casa numa hora muito importante.”

Há sinais positivos também no mundo da produção. De acordo dados do BC, o investimento estrangeiro direto chegou a US$ 45 bilhões de janeiro a julho, valor mais do que suficiente para cobrir os saques na Bolsa, contra US$ 38,4 bilhões no mesmo período de 2018. “O investimento direto é diferente. Normalmente, o prazo de retorno é de 10, 15 anos, enquanto os investidores de carteira são curtoprazistas”, diz Tony Volpon. “Do ponto de vista do custo, olhando só o câmbio, está barato comprar ativos no Brasil.”

O Brasil é uma economia de baixo crescimento desde os anos 1980

Tony Volpon, do UBS

Para ele, os investidores diretos “não estão pensando” que o crescimento do PIB voltará a ser de 4% ao ano. Estão mais voltados para avaliar a capacidade de rentabilizar seus investimentos em determinados setores e mercados – e o câmbio fraco ajuda essa decisão de investimento.

“Vamos falar a real: o Brasil, fora a nossa grande bolha de commodities, fruto do crescimento chinês, é uma economia de baixo crescimento”, afirma. “Tem sido assim desde os anos 1980, mas isso não impediu muita gente de investir no Brasil.” A questão, agora, é saber se, com o ajuste fiscal e a concretização das reformas que estão em discussão, o País conseguirá, enfim, seguir a trilha do desenvolvimento sustentável.

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