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'Falta empreendedorismo de oportunidade no País', diz professor

Criador do polo de tecnologia do Recife lança livro sobre inovação

Por Renato Cruz
Atualização:

Ele não para. O professor Silvio Meira já deveria ter se aposentado há mais de um ano na Universidade Federal de Pernambuco. Mas continua por lá, dando aula e orientando alunos. Ele criou o programa de doutoramento em Ciência da Computação da universidade e depois o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), âncora do Porto Digital, polo tecnológico da cidade e origem de várias empresas de tecnologia. Atualmente, também está à frente da empresa de investimentos Ikewai.Nesta segunda-feira, Meira lança no Recife o livro Novos negócios inovadores de crescimento empreendedor no Brasil (Casa da Palavra), resultado do período em que foi pesquisador no Centro Berkman para Internet e Sociedade, da Universidade Harvard, no ano letivo 2012-2013. O lançamento em São Paulo está marcado para o dia 25 deste mês. "Segunda-feira o lançamento vai ser no centro do mundo, depois vamos para periferias como São Paulo e outras menos lotadas", disse o professor. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.Qual é o objetivo do livro?SILVIO MEIRA - Botei na introdução uma espécie de "espanta leitor", que é o seguinte: este não é um livro de autoajuda sobre inovação e empreendedorismo. Não é um livro fácil de ser lido, porque esse (inovação) não é um problema trivial. Se fosse, como alguns querem convencer pessoas ingênuas, haveria dois Googles em Sorocaba, um Facebook em Pato Branco e por aí vai. Não é um problema trivial, mas também não é um bicho de sete cabeças. Tem um conjunto de práticas estabelecidas que pode ser usado para desenvolver novos negócios de alto impacto. Foi sobre isso que acabei escrevendo, olhando muito mais para quais perguntas têm de ser feitas para situar essa problemática no seu contexto específico. É uma obra voltada para computação?SILVIO MEIRA - Não é um livro sobre empreendedorismo em informática. É um livro sobre inovação e empreendedorismo em geral, obviamente trazendo da tecnologia de informação um grande conjunto de exemplos, porque nessa área temos nos últimos anos uma atividade muito grande. Muitas das práticas que apareceram em tecnologia têm se propagado para outras áreas. Uso exemplos dessas áreas, mas não quero fazer ninguém crer que deveríamos transpor todos os métodos de tecnologia de informação e comunicação para outras áreas, porque não vai funcionar de jeito nenhum.Que tipo de coisa não funcionaria?SILVIO MEIRA - Uma coisa que poderia ter problema em outras áreas é um processo que a gente chama de distribuir para conquistar. Você pega um problema e o distribui em vários processos, servidores e instalações, para ganhar escala e atender melhor o seu público, principalmente se você vai ter muitos usuários. Eu não preciso convencer os agentes de hardware e software que eles têm de tratar bem os clientes. Porque escrevo isso em software. Se simplesmente disser para distribuir e conquistar numa franquia de pipocas, vai haver um problema de coordenação, porque os meus agentes não são mais hardware e software, são seres humanos. Então, se você transpuser uma prática que funciona muito bem em certos cenários para outros, talvez esteja mais criando problemas do que resolvendo. O sr. faz no livro perguntas como "seu produto consegue ser vendido a um preço maior que o custo?"Há empreendedores que não se atentam para isso?SILVIO MEIRA - Sim. A maioria dos empreendedores, principalmente os mais novos, tem uma dificuldade muito grande em analisar o mercado, em analisar quem é que vai ser a competição. A pergunta "você consegue fazer o produto a um produto competitivo?" não significa que você tem uma grande ideia e vai sair para desenvolver. Qual é o problema que essa grande ideia - se conseguir transformá-la numa solução - resolve? Esse problema é um mercado? Se é um mercado, já tem gente lá? Qual seria o diferencial para entrar nesse negócio de tal maneira que a gente possa cobrar mais? Ou cobrar menos, porque temos um custo de produção muito menor? Eles normalmente não prestam atenção em custo?SILVIO MEIRA - O custo é um megaproblema, pois as pessoas começam com uma startup qualquer dentro de uma incubadora em algum lugar. Essa startup está trabalhando com bolsistas, que não é um capital humano sustentável. Os bolsistas não só não pagam imposto como não representam salário. Não pagam imposto porque o negócio é um arranjo de professores ou pesquisadores ou alunos, que estão trabalhando numa garagem. Depois, quando eles começam a ir para o mercado mesmo, têm de emitir notas fiscais e pagar impostos. Quando você põe todos os custos envolvidos na entrega do produto ao mercado a receita é maior que a despesa? Por que os empreendedores chegam tão despreparados?SILVIO MEIRA - As pessoas não olham o que estão fazendo, quando vão colocar um produto no mercado, nem tentam se transformar em especialistas naquele mercado e no produto delas. Acho imperdoável desconhecer o mercado e desconhecer seu próprio produto, do ponto de vista dos custos de produção. Essa ingenuidade é matadora. Porque as pessoas vão acabar empreendendo coisas inviáveis.Como isso pode ser resolvido?SILVIO MEIRA - Tem uma pergunta subjacente a essa história. A questão é se é possível ensinar essa coisa de empreendedorismo. Acho que é possível codificar um grande número de coisas, como as que estão no livro. Mas acho que essas perguntas não são respondidas na sala de aula, nem com livro-texto. A minha tese é que, ao invés de ter escolas de empreendedorismo, é preciso pensar em empreendedorismo como escola. As escolas deveriam dar as condições para que as pessoas aprendam os fundamentos do exercício da sua atividade, e daí se cercarem de empreendedorismo. A maioria das pessoas que começa a fazer alguma coisa, na garagem de sua casa, não compreende a complexidade de se abrir uma empresa. E, consequentemente, na hora de abrir uma, morre, em função dos custos de transação. A gente deveria colocar as escolas perto de polos como o Porto Digital ou incubadoras. E fazer também os professores empreenderem. Eu não acredito em gente que está dando aula de empreendedorismo sem nunca ter empreendido, falido, enfrentado uma um processo trabalhista. Como o senhor vê a situação hoje?SILVIO MEIRA - O Brasil é um país naturalmente empreendedor. Mas a gente tem um problema. O empreendedorismo no Brasil, durante muito tempo, foi caracterizado pelo que a gente chama de empreendedorismo de necessidade. Ele está empreendendo porque está desocupado, desempregado, precisa fazer alguma coisa para sobreviver. O empreendedorismo que cria oportunidades muito mais amplas, de mais longo prazo e que é muito mais sustentável, é o empreendedorismo de oportunidade. Descubro a oportunidade de resolver um problema que ninguém nunca antes resolveu. Mesmo assim, quando você olha para o empreendedorismo de oportunidade no Brasil, ele é de muito baixo impacto. Por quê?SILVIO MEIRA - O empreendedorismo pode ser visto por dois eixos. Um é o impacto social. No empreendedorismo de alto impacto, você pode, com fins lucrativos, levar energia elétrica para quem não tem. A vida daquelas pessoas vai radicalmente mudar. O impacto social desse negócio é estrondoso. O impacto econômico é de outra categoria. É criar uma empresa para resolver os problemas das pessoas e criar uma empresa altamente lucrativa, que tem uma valorização muito grande na bolsa, onde todo mundo quer trabalhar. Quando combino essas duas coisas, alto impacto social com alto impacto econômico, tenho um empreendedorismo transformador. O oposto total disso, que é baixo impacto social e baixo impacto econômico, é um empreendedorismo irrelevante. É um negócio que é feito porque o cara acha que vai fazer o próximo Facebook ou próximo Instagram. Não há na história muitos casos de sucesso de você repetir alguma coisa que alguém já fez, e essa coisa dar minimamente certo. Então a gente vê no Brasil uma energia empreendedora muito grande sendo desperdiçada em empreendedorismo totalmente primário, com coisas que dificilmente vão criar mais de cinco empregos, sem rede efetiva para competir no mundo. Não funciona mais querer ser o melhor que faz aquele negócio naquele lugar. A gente está vivendo em rede. Muitas empresas que copiaram negócios de outros fecharam.SILVIO MEIRA - É a mesma coisa de fazer um encurtador de links brasileiros. Ou um Twitter brasileiro. Ou um Facebook brasileiro. Na área de tecnologia de informação, se você não conseguir competir globalmente, é muito difícil sair do outro lado. O que não significa que todo negócio tem de ser global no aspecto mais amplo. E qual é o aspecto mais amplo? Estou em Taperoá, no interior da Paraíba, e vou servir o mundo. Não é assim. Mas você pode ser de classe global. Quando o Google veio para o Brasil, com todo seu poder, ele comprou a Akwan, em Belo Horizonte, porque a tecnologia da Akwan era fera. Os caras eram fantasticamente bons em tecnologia de busca. É a mesma coisa de olhar para, por exemplo, o fundo de investimento TMG, que acabou de investir mais de R$ 25 milhões numa empresa aqui do Porto Digital, a NeuroTech. Essa é uma empresa que está sendo construída há 10 anos. Eles passaram de R$ 12 milhões de faturamento agora. É um crescimento estrutural. São baseados em ciência e tecnologia profunda na área de inteligência artificial. Encontraram um fundo de investimento que, depois de olhar todas as facetas deles e do mercado, disseram: esses caras estão prontos para crescer. Vou botar R$ 25 milhões para transformá-los num negócio de R$ 200 milhões, R$ 300 milhões. A NeuroTech começou como uma startup de três pessoas no Porto Digital. Mas com objetivo de classe mundial.Qual é o papel do governo nessa história de empreendedorismo?SILVIO MEIRA - Acho que o papel do governo pode ser sumarizado de forma extremamente simples. Talvez o papel mais fundamental do governo em qualquer lugar do mundo seja educar gente. Da melhor forma possível. Da forma mais sofisticada possível. Da forma mais rápida possível. Da forma mais econômica. Deveria ser impossível não termos uma educação de qualidade no Brasil, considerando a quantidade de dinheiro que a gente gasta com isso. O Brasil gasta muito em educação. O problema é que esse dinheiro é mal gasto. Desaparece de todas as formas possíveis e imagináveis, e a maior parte delas por ineficiência, e não por corrupção. O segundo papel do governo é criar oportunidades. Do ponto de vista estratégico, estabelecer grandes direções, como os Estados Unidos, como a Europa, como a China sempre fazem. Enquanto o Brasil tratava de pegar uma briga conceitual sobre o que era o padrão de TV digital, o governo chinês disse: não quero saber qual o padrão de seja lá onde for. Vamos estudar todos os padrões e vamos preparar as empresas chinesas para terem 40% do mercado mundial de televisores digitais. Isso é o governo criando oportunidade. A terceira coisa que o governo tem de fazer é sair da frente. O governo tem de diminuir o arrasto que ele causa. As pessoas chegam para mim e dizem: a gente tem de pagar menos imposto. Eu digo: rapaz, olha, vamos por partes. Que tal, por exemplo, se a gente só simplificasse como se paga? Hoje em dia é quase impossível você estar legal, considerada a malha burocrática por trás de taxas, tarifas, impostos e mais sei lá o quê. Mesmo que você queira. É muito difícil você sair do outro lado.

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