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Economia e outras histórias

Fatura aumentada

Por José Paulo Kupfer
Atualização:

Ainda falta avançar um pedaço da extensa estrada em que está sendo pavimentada, há oito anos, a Parceria Transpacífica (TPP), entre os Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália e outros oito países das Américas e da Ásia. Porém, mesmo ainda sem a aprovação do Congresso americano e dos demais parceiros, o acordo básico, anunciado nesta segunda-feira, é um fato histórico, que envolve 40% do PIB mundial e está fadado a mudar as relações comerciais em todo o mundo.  Com o objetivo explícito de enfrentar a expansão da China nos mercados internacionais, o acordo capitaneado pelos Estados Unidos deve enfrentar resistências, inclusive internas. A montadora Ford, por exemplo, preocupada com a ampliação da abertura do mercado americano a veículos japoneses, já divulgou nota em que o condena. De todo modo, como consequência natural da evolução do comércio internacional nas últimas pouco mais de duas décadas, sua concretização é inexorável. Sua maior e mais impactante novidade virá do estabelecimento de normas comuns de produção, que abrangerão também aspectos ambientais e de relações trabalhistas. O mundo tem assistido a uma transformação estrutural no modo de produção em escala planetária, derivada de duas revoluções - a da tecnologia da informação e a da logística de transporte - ocorridas no processo produtivo. Com a internet e os contêineres. Peças e partes, projetadas a milhares de quilômetros de distância, podem ser produzidas e integradas em diversas partes do mundo até a conclusão do produto final.  Sob a égide das cadeias de valor (ou de suprimentos), o comércio exterior mudou radicalmente de característica. Se antes era o ambiente em que coisas e serviços prontos eram vendidos e comprados de outros países, agora, principalmente, é o lugar no qual partes dessas coisas e serviços são reexportados e reimportados em múltiplas viagens até os produtos ou serviços acabados encontrarem seu destino final. Um desdobramento direto dessa internacionalização dos processos produtivos tem sido a negociação de acordos multilaterais, com a queda de barreiras alfandegárias. Se um produto é formado por peças fabricadas em diversos lugares diferentes, os países envolvidos se veem na circunstância de negociar entre eles a entrada e a saída das partes e as normas comuns de produção delas. Assim, quando as economias aceitam o jogo, logo percebem que também as barreiras não tarifárias tendem a perder eficácia. É nesse novo mundo do comércio exterior que se inserem não só a TPP, mas também - e até com maior relevância econômica - o acordo de livre comércio em gestação entre Estados Unidos e Europa, bem como todos os inúmeros outros que pipocam pelo mundo. Refletem pontos de convergência na nova configuração de uma economia internacional 2.0, cuja funcionalidade reside em reunir países com vocações e produção complementares em acordos comuns de produção e vendas. País de dimensões continentais e mercado consumidor de massas, o Brasil perdeu, lá atrás, o bonde das cadeias de valor não apenas por uma questão de mentalidade. O momento da adesão inicial às novas tendências coincidiu com fases de desequilíbrio econômico e de crises de dívida externa, que o tirou do foco das cadeias de suprimento em formação. A TPP põe mais pressão sobre o isolamento produzido pela ineficiência da política brasileira de comércio exterior. A fatura do isolamento das cadeias globais de produção, que já está sendo cobrada, será aumentada. Sair do círculo vicioso da ineficiência competitiva não remete só a uma taxa de câmbio mais favorável e a políticas comerciais mais agressivas. Obriga também a superar a trava da burocracia e a infraestrutura precária. Um exemplo é o tempo gasto para liberar mercadorias nas alfândegas, fator crítico para processos de produção “just in time”, como o adotado nas atuais cadeias de valor. O que é liberado lá fora em menos de cinco horas, aqui pode levar dois dias e meio.

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