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Fracassa tentativa de EUA convencerem Índia e futuro da OMC está ameaçado

Governo indiano se recusa a implementar acordo que previa facilitar comércio entre países e movimentar US$ 1 tri na economia mundial

Por JAMIL CHADE
Atualização:

GENEBRA - Os Estados Unidos e a Índia não chegaram a um acordo e a Organização Mundial do Comércio (OMC) mergulha em sua maior crise, com o próprio futuro ameaçado. Ontem, a entidade anunciou em Genebra que não conseguiu fechar um entendimento para a implementação do Tratado de Bali, sete meses depois de a convenção ser comemorada como o primeiro acordo comercial em 20 anos. O fracasso joga a entidade em uma indefinição sem precedentes, enquanto Washington já dá indicações de que vai abandonar parcialmente a entidade. O brasileiro Roberto Azevêdo assume a função de dirigir uma entidade sem rumo, sem acordo e sem plano. "Lamento muito dizer que, apesar dos esforços, não tenho elementos para superar o impasse", disse o brasileiro aos governos na OMC na noite de ontem. "Não tenho nada em minhas mãos que permita que possamos ter um consenso", lamentou. "As diferenças são insuperáveis." Terminou ontem o prazo para que o tratado assinado em Bali em dezembro do ano passado fosse implementado. O fracasso foi antecipado na edição de ontem do Estado. O problema central foi a recusa da Índia em implementar o tratado, posição que ganhou o apoio de Venezuela e Cuba. O acordo assinado em Bali previa uma série de ações para facilitar o comércio entre países, reduzindo processos aduaneiros e burocracia. Algumas estimativas apontam que o acordo poderia representar US$ 1 trilhão para a economia mundial. Mas as medidas são vistas por algumas economias emergentes como sendo só de interesse dos Estados Unidos e da Europa, já que na prática representam um maior acesso a mercados, sem uma correção das distorções que Washington e Bruxelas promovem no comércio internacional. O que os indianos exigiam de Azevêdo era que o projeto fosse acompanhado por avanços reais no capítulo agricultura. A Índia insiste que precisa de garantias de que, num acordo global na OMC, seus milhões de pequenos agricultores serão protegidos e que o país, apesar de ser uma economia emergente, poderá manter certas barreiras comerciais no setor agrícola. De olho no mercado em expansão da Índia, americanos e europeus se recusam a aceitar que a Índia mantenha barreiras. Sem um acordo, o governo brasileiro prometeu que, depois das férias de verão no Hemisfério Norte, vai voltar a pressionar para a implementação de todo o pacote de Bali. O Itamaraty prometeu até mesmo adotar as medidas de forma unilateral, como forma de mostrar que existe apoio ao projeto. Mas o governo, acima de tudo, sabe que a sobrevivência da negociação é condição para manter a OMC no centro das regras do comércio. Mudança. O governo americano já deu claras indicações de que o colapso de ontem obrigará Washington a mudar sua estratégia comercial. "Estamos muito frustrados", disse o embaixador dos Estados Unidos, Michael Punke. "Um punhado de países não quis manter os compromissos acertados em Bali e agora a instituição entra em um território de total incerteza", alertou. Horas depois do colapso, o setor privado americano confirmou a percepção de Washington que não há mais motivos para apostar num acordo multilateral. "O que ocorreu hoje (ontem) sugere que existe pouca esperança para que um acordo global de comércio ocorra", declarou Jake Colvin, porta-voz do Conselho de Comércio Exterior dos EUA e um dos principais atores na formulação da política comercial da Casa Branca. "Empresários têm o multilateralismo no coração. Mas são também pragmáticos e agora vão buscar acordos menores, entre grupos, para atingir o que parece ser algo impossível entre todos os membros da OMC." John Danilovich, secretário-geral da Câmara Internacional de Comércio, foi taxativo sobre o perigo que o fracasso representa. "Voltem para a mesa e salvem esse acordo", apelou aos governos. A reação dos Estados Unidos será a de buscar acordos comerciais por outras vias, esvaziando a OMC. Nos bastidores, negociadores americanos já indicaram que todas suas ofertas na entidade serão retiradas. Os Estados Unidos vão concentrar os esforços em acelerar um acordo de livre-comércio com a Europa o que, para diversos países, pode criar uma situação perigosa: ver as duas maiores potências refazerem as regras do comércio, sem precisar consultar os emergentes. Além de americanos e europeus, o Japão também parte em busca de acordos fora da OMC. Ironicamente, quem também promete abandonar os esforços da entidade são Argentina, Venezuela, Índia e diversos outros que julgam que, diante das mudanças no cenário internacional, não há espaço para se negociar uma abertura de mercados.

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