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Greves que castigam os pobres

Por Suely Caldas
Atualização:

Enquanto em Brasília o governo e a classe política concentram tempo e energia em desentendimentos sobre o ajuste fiscal e não chegam a lugar algum, a vida dos brasileiros segue de mal a pior. O Brasil real vai se deteriorando sem atrair a menor preocupação dos governantes. A sensação é a de um país à deriva, desgovernado - o que depende de gestão pública não tem funcionado ou funciona muito mal, castigando a população e, principalmente, os mais pobres, que buscam (e não encontram) em serviços públicos alívio para seus males.

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A greve de professores e funcionários em 55 universidades públicas vai completar 120 dias; há mais de dois meses grevistas fecharam os postos do INSS em todo o País; há dias os funcionários dos Correios entraram em greve; e servidores públicos prometem cruzar os braços no Brasil todo na quarta-feira. Como a lei os protege com estabilidade no emprego e o salário é religiosamente pago no fim do mês, eles aproveitam os dias parados para se ocupar com questões pessoais, como se estivessem em férias - sabem que, com ou sem greve, não serão demitidos e dormem tranquilos com a certeza de que não engrossarão a crescente taxa de desemprego decorrente da crise econômica, que, segundo o IBGE, atingiu 8,3% no País e 10,3% no Nordeste.

Já os trabalhadores do setor privado sofrem duas vezes: não têm emprego nem salário garantidos e, se procuram atendimento no serviço público para a família, encontram as portas fechadas. Com a crise, o desemprego se tem acelerado muito rápido, sobretudo nos Estados pobres do Nordeste, e o quadro é cada vez mais desolador. Pesquisa do Ministério do Trabalho contabilizou a perda de 503.322 empregos com carteira assinada até julho. Com a produção desabando há três anos, a indústria é a que mais desemprega: apenas seis setores (construção, máquinas, siderurgia, automóveis, química e eletroeletrônico) esperam fechar 610 mil vagas este ano. Só na construção civil, importante empregador de mão de obra com baixa qualificação, a estimativa é de dispensar 500 mil operários. Instalada artificialmente por obra, graça, despotismo e demagogia do ex-presidente Lula, a indústria naval naufragou com a crise financeira da Petrobrás: só este ano já demitiu mais de 20 mil trabalhadores e corre o risco de desaparecer, desperdiçando muito dinheiro público aplicado em seu renascimento.

No Brasil, é gigante a discrepância de direitos entre trabalhadores públicos e privados, com vantagens para os primeiros e com a agravante de que uma greve no setor privado prejudica só o lucro do empregador, enquanto no setor público é a população carente a mais castigada. Nos últimos dois meses quem dependeu de perícia médica para obter ou prolongar o auxílio-doença pelo INSS teve seu benefício suspenso e ficou sem renda; os idosos, sem aposentadoria. Os que recebem boletos de contas pelos Correios são penalizados com atraso no pagamento, juros e multas. Os estudantes de 55 universidades públicas perderam praticamente todo o ano letivo, prejudicaram seus planos de vida, muitos atrasaram a formatura e perderam prazo para obter bolsas de estudo fora do País.

O funcionalismo público precisa repensar seus instrumentos de luta; e o governo e o Legislativo, em mudar a lei de greve em serviços públicos que têm relação direta com a população. A greve, além de decidida por minorias em assembleias partidarizadas, perdeu a força que teve no passado como meio de negociar direitos e vantagens. Agora, após quase quatro meses, as universidades públicas começam a voltar às aulas sem obter nenhuma das reivindicações reclamadas do governo federal. Os únicos prejudicados foram os alunos, que nada podem fazer pelos professores. Em Brasília, o Ministério da Educação sofreu com cortes no orçamento, falta dinheiro para a educação, a presidente Dilma anda muito ocupada com o ajuste fiscal e simplesmente ignorou o movimento grevista. O mesmo ocorre com os grevistas do INSS: querem aumento salarial de 27%, em nada avança a negociação com o Ministério da Previdência e eles só conseguem maltratar idosos e doentes.*É jornalista e professora da PUC-Rio. E-mail: sucaldas@terra.com.br  

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