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Imposto bifásico, uma péssima ideia

Imposto bifásico tende a criar distorções, estimular fraudes, ampliar o contencioso e causar iniquidades

Por Bernard Appy
Atualização:

Nas últimas semanas tem ganhado destaque uma nova proposta de reforma tributária, baseada num “imposto bifásico”, que seria cobrado uma vez na saída da indústria e outra vez na venda ao consumidor final. Pela proposta, toda a venda de insumos seria desonerada, o que tornaria dispensável o modelo de débitos e créditos que caracteriza os impostos sobre o valor adicionado (IVA).

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Com base no que foi divulgado na imprensa, o novo imposto substituiria os tributos federais sobre bens e serviços (PIS/Cofins, IPI e Cide-Combustíveis) e o ISS, mas não o ICMS, cuja reforma seria discutida em momento posterior.

Numa análise superficial, a proposta parece atraente. Afinal, para que ter um complexo sistema de débitos e créditos, se é possível cobrar os tributos sobre bens e serviços em apenas duas fases? Mas essa é uma interpretação claramente equivocada.

O principal problema do imposto bifásico é que o montante cobrado depende de como está organizada a produção, ou seja, trata-se de um sistema que não é neutro, o que tende a gerar uma série de distorções. Em particular, o sistema do imposto bifásico favorece modelos de negócio com altas margens de comercialização, em detrimento de estruturas com baixas margens.

Para entender esse ponto, vale a pena compreender um pouco melhor como funcionaria o sistema (com base em alíquotas hipotéticas). No caso da produção e venda de sapatos, por exemplo, haveria a incidência de imposto na saída da fábrica a uma alíquota de 10% (sobre o preço de venda da fábrica) e uma nova incidência na venda ao consumidor final, a uma alíquota de 5% (sobre o preço de venda ao consumidor).

Nesse sistema, uma fábrica que entrega os sapatos diretamente às lojas (e cobra um preço um pouco maior por isso) seria prejudicada relativamente a uma fábrica que vende toda a sua produção a um preço mais barato para um atacadista, que faz a distribuição para as lojas. Ou seja, o sistema tributário passaria a tratar diferenciadamente empresas com modelos de negócios diferentes, distorcendo a competição justa no mercado.

O pior é que esse sistema tende a favorecer uma forma de fraude, que é a redução da margem das empresas na produção e o aumento da margem na distribuição. Obviamente, a Receita Federal tenderia a autuar as empresas que reduzissem a margem na produção, mas isso também geraria distorções, pois não é fácil de distinguir a fraude de um modelo em que a empresa atua legitimamente tanto na produção quanto na distribuição. Adicionalmente, sempre é possível fazer fraudes mais elaboradas, como um sistema cruzado de comercialização em que a empresa A distribui o produto da empresa B, e vice-versa.

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Outro problema desse sistema ocorre quando as empresas utilizam insumos que são vendidos também a consumidores finais, como, por exemplo, combustíveis. É muito difícil de estruturar um sistema em que a compra de combustível em um posto de gasolina por uma empresa seja desonerada e a compra por um consumidor final seja tributada. Para piorar, para não haver tributação dos insumos, o posto de gasolina teria de desonerar não apenas o imposto incidente sobre sua venda, mas também aquele cobrado na saída da refinaria.

A contrapartida desse problema é que seria muito difícil de controlar a desoneração indevida da venda de combustíveis (assim como de qualquer outros bens e serviços que possam ser usados como insumos) para consumidores finais.

Em suma, a proposta do imposto bifásico tende a gerar distorções econômicas, estimular fraudes, ampliar o contencioso e gerar iniquidades. O modelo não cumulativo de débito e crédito do IVA pode ser um pouco mais complexo, mas é neutro e não gera os problemas descritos acima.

De fato, a resistência ao regime não cumulativo está contaminada pela enorme complexidade do atual sistema tributário brasileiro. Um sistema simples e abrangente de débitos e créditos é fácil de ser operado e não gera distorções. Não é por acaso que praticamente todos os países relevantes do mundo adotam esse tipo de sistema. *É DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

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