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Indexação, 50 anos

Por Paulo Paiva
Atualização:

Ao longo do tempo, no embate contra a inflação no Brasil, várias ideias criativas têm sido usadas. Há 50 anos, o novo governo militar, ao optar por um controle gradativo da inflação, formalizou a correção monetária automática. Em 1995, Mário Henrique Simonsen publicou o livro 30 anos de indexação, analisando as causas e consequências daquela medida para a economia brasileira. Simonsen observou que no governo Costa e Silva, visando a humanizar a economia, os salários passaram a ser indexados na inflação passada, o que o governo Castelo Branco teria tentado evitar. No Plano Real, outro instrumento criativo, a Unidade Real de Valor (URV), foi utilizado, agora para desindexar a economia na nova moeda. Contudo, talvez com a mesma preocupação de humanização da economia, a Lei 8.080/94, que dispôs sobre o plano de estabilização econômica, garantiu aos trabalhadores o reajuste automático dos salários em porcentual correspondente à variação dos preços em real, desde o mês de sua implantação, julho de 94, até o mês da data-base. Para isso foi criado um índice de preço, o IPC-r, para calcular os níveis de preços na nova moeda. Então, em cada data-base, a correção dos salários em razão da variação de preços em real ficara garantida por lei. Por exemplo, aos contratos com data-base em julho, assegurava-se 1 mês de correção; aos com data-base em agosto, 2 meses; e assim sucessivamente. Como consequência, em junho de 1995 todos os salários estariam indexados na nova moeda, tornando o mercado de trabalho inflexível e a redução da inflação impossível. Para garantir a estabilidade monetária era imperioso eliminar a indexação da economia e, em particular, dos salários. A Medida Provisória 1.053, de 30/7/1995, que completa 20 anos, foi o instrumento utilizado para isso, vedando a utilização da correção monetária ou de índices de reajustes de preços em todos os contratos com duração de até um ano e adotando as negociações coletivas como norma nos contratos de trabalho. Para desindexar os salários, recorreu-se ao mesmo mecanismo que havia garantido a correção automática em real. Então, a partir de julho de 1995, a cada mês, na negociação da data-base, se excluía a garantia da indexação em real, de tal forma que após um ano não mais haveria indexação salarial. Foi assim desativada uma perigosa bomba-relógio que havia sido embutida no Plano Real, contribuindo para a aceleração da queda da inflação a partir do segundo semestre de 1995. O que efetivamente ocorreu. O processo gradual de desindexação estimulando a negociação coletiva, que recebeu apoio de importantes segmentos do movimento sindical, e a entrada em vigência da Medida Provisória 794/94 estabelecendo os critérios para a negociação da participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas (PRL) foram responsáveis pelo sucesso da eliminação das correções automáticas de salários no Brasil. Assim, os níveis dos salários passaram a ser objeto de negociações diretas entre empregadores e os sindicatos das respectivas categorias. Hoje, passados 20 anos da desindexação da economia brasileira e da publicação do livro de Mário Henrique Simonsen, o País volta a flertar com um dos seus piores inimigos, a correção automática de preços e salários. A irresponsabilidade fiscal e a leniência na política monetária estão levando a inflação a atingir o dobro do centro de sua meta, destruindo todo o esforço de busca da estabilização dos preços. Neste momento em que o esforço de desindexação chega a seus 20 anos, em que muitos acordos e convenções coletivas, refletindo o ambiente de consumo exacerbado dos últimos anos, ainda reajustam salários com base na inflação; em que no setor público reajustes corretivos são generalizados; e quando a Câmara dos Deputados tenta ampliar a indexação do salário mínimo a todos os benefícios da Previdência Social, vale lembrar o alerta do professor Simonsen sobre os riscos de que o combate à inflação no País possa ser uma luta inglória. O populismo é a chama oculta da inflação.* Paulo Paiva é professor da Fundação Dom Cabral. Foi ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo FHC

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